O Carnaval dos Malditos

segunda-feira, 3 de março de 2014

O Carnaval dos Malditos




Carnaval são os três dias de folia que precedem a quarta feira de cinzas. É uma palavra que tem origem no latim "carna vale" que significa dizer adeus à carne.
Três dias em outros lugares porque em Salvador o carnaval começa mais cedo .
Na noite de sexta feira, desce o bloco pelas ladeiras, tão logo soem as doze badaladas, a senha universal para que os malditos retornem à terra.

O cotejo percorre as ruas, vestido de negras mortalhas que cobrem seus corpos e seus rostos ao som de velhas marchinhas carnavalescas tocadas em um tom diferente, entre o lúgubre e o alegre.
Percorrem as ruas calçadas de pedras sem que deles se ouça uma única palavra, uma única frase. Apenas as estranhas melodias preenchem o silêncio da noite. 

Os passantes que se defrontam com tal desfile são tomados de um medo inexplicável, espremendo-se contra as paredes do antigo casario colorido que contrasta visivelmente com os trajes escuros dos integrantes do bloco.
Calafrios percorrem os corpos de quem vislumbra a passagem do grupo macabro.

Ninguém sabe ao certo a sua origem, nem de onde vêm, mas há quem diga ter ouvido de alguém que é primo de alguém que é cunhado de não sei quem, filho da tia de fulano, avó de beltrano, vizinha de uma senhora que diz ser descendente de algum dos malditos que:
“ Em meados do século passado, como ocorre no carnaval até hoje, criminosos se misturavam aos foliões e praticavam toda sorte de delito, desde estupros até assassinatos, ocultos sob as máscaras e fantasias , das mais comuns possíveis e mais fáceis de se misturar no meio da multidão. Por anos esses facínoras perpetraram seus atos hediondos sem que pudessem ser, exceto em raras ocasiões, identificados pela polícia e punidos pelos seus crimes.

Ocorreu que, em um determinado ano, após a pratica de sue crimes e a fim de gastar o dinheiro surrupiado e comemorar seus crimes, todos eles acabaram por irem reunir-se, sem que tivessem combinado previamente, em um novo e luxuoso brega (meretrício) que havia se instalado há pouco tempo em um dos antigos sobrados as cidade.

Ninguém sabia ao certo a origem o tal brega, mas era frequentado até mesmo pelos mais abastados, pois ali se reuniam as mulheres mais bonitas que faziam da prostituição o seu modo de vida. Havia para todos os gostos, loiras, morenas, brancas, negras, mulatas, ruivas, cada qual com o corpo mais exuberante que as demais, muitas delas aparentando ser menores de idade. Era o sonho de consumo dos que buscavam os prazeres da carne e das bebidas fartas.

Nada indicava que aquilo fosse mais do que um bordel de luxo com belezas exóticas e exuberantes.
Tudo ali era de primeira, não apenas as mulheres, mas também os serviços e produtos oferecidos. O local contava com dois ambientes, uma mais aberto onde se misturavam as pessoas de várias classes e outro mais reservado, restrito a figurões conhecidos que não gostariam de ser flagrados com a “boca na botija”.

Ocorreu, no entanto, que pouco tempo depois da chegada do último não convidado, mas ao mesmo tempo “convocado” para o festim por uma força irresistível que os impulsionava para o local, tempo este suficiente para que encontrasse a mulher de sua preferência e iniciasse a concretização do que fora ali buscar, um estranho fenômeno começou a ocorrer no local.

Todo aquele luxo pareceu dissolver-se no ar, dando lugar a um ambiente de degradação sem precedentes, os tecidos luxuosos pareciam transformar-se em farrapos e trapos, os móveis se transformavam em cacarecos, em escombros danificados, mas o pior de todos os horrores ainda estava por acontecer. As maravilhosas e exuberantes mulheres, transformaram-se em demônios descarnados, que passaram a devorar as suas vítimas nem um pouco inocentes, que tomadas de intenso pavor, ainda tentaram defender-se com suas armas de fogo e navalhas que carregavam consigo, no entanto nada disso salvou suas vidas e nem suas almas naquela noite. Seus corpos dilacerados ficaram por ali mesmo, jogados no chão do brega infernal, já suas almas foram levadas ao inferno, onde depois de julgadas, além do martírio eterno, foram sentenciadas a vagar pela terra toda a sexta feira que antecede o Carnaval, pelas mesmas ruas em que cometeram os seus crimes.”

Esse é o relato mais popular sobre O Bloco dos Malditos que desce as ladeiras de Salvador, condenados a passar pelo local de seus crimes e reviver todas as suas atrocidades, sem poder emitir um único som, escoltados por demônios que tocam as lúgubres marchinhas.


Autor: Jorge Linhaça

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