Estórias e contos repassados de geração para geração marcaram o imaginário popular no Piauí. Nesta última sexta-feira 13, o site da Globo G1 fez uma matéria especial contando sobre lendas brasileiras e contou um pouco sobre duas lendas exclusivas do Piauí, a da Escrava Luminosa e do Cabeça de Cuia, que podem ser consideradas aterrorizantes e repletas de mistério. Além de ter conversado com historiadores sobre as origens e os elementos que envolvem essas histórias.
Para a doutora em história social e professora do Instituto Federal do Piauí, Francisca Raquel da Costa, o medo e a insegurança são elementos característicos de lendas urbanas e campestres, que ao assombrar, buscam estimular a obediência.
“São verdades históricas misturadas a elementos imagéticos, que têm um fundo de moralidade e se baseiam no medo e no terror para que as pessoas sejam obedientes. As lendas muitas vezes têm um caráter pedagógico. A educação se dá tanto na comunidade escolar quanto nos nossos grupos sociais que a gente mantém”, explicou.
“A falta de conhecimento gera esse medo. O medo do mar, da morte, das trevas, da peste, fome, bruxaria, apocalipse. Nossa sociedade se baseou muito na argumentação, no uso do medo como instrumento de controle", completou a professora.
Escrava Luminosa
A história acontece na cidade de Barras, no período da escravização de pessoas negras, em que havia um fazendeiro ruim, detentor de um grande número de homens e mulheres. Entre elas, uma mulher que, ao descobrir um segredo da esposa do homem, conta para ele.
Após a revelação, o relacionamento do casal fica abalado. Revoltada, a esposa ordena que os outros escravos cortem um pedaço da língua da escravizada e a joguem em uma ilha, o que resultou na morte da mulher.
Desde então, conforme a lenda, um vulto feminino com uma forte luz na boca pode ser visto durante a noite na região. Escravizados alertaram o fazendeiro e sua esposa da situação, mas o casal ignorou, por acreditar que escravos não possuíam alma.
Até que em uma noite, a senhora, ao sair de casa, viu a escravizada. Assustada e abalada, a mulher deixou de dormir, comer e, tão fraca, perdeu a fala e morreu. Em Barras, alguns moradores relatam que quando alguém maltrata uma pessoa negra, a Escrava Luminosa surge para punir.
Para a professora Francisca Raquel da Costa, a lenda, mesmo com atributos fantasiosos, revela aspectos significativos da história do Piauí ao narrar acontecimentos.
“Temos o elemento do medo, nesse caso, misturado com elementos místicos, religiosos e uma espécie de castigo. A violência se faz presente e, nesse caso, vai de encontro com a ideia de que no Piauí a escravidão era mais tranquila", comentou.
A docente destacou que esta sexta-feira 13 também marca a abolição da escravatura no Brasil. Para Francisca Raquel, a lenda originada em Barras evidencia a resistência e o combate ao racismo como moral.
"A resistência da população negra está presente. A escrava luminosa vem representando a proibição que deveria existir em relação aos maus tratos que ainda hoje são direcionados à população negra", afirmou Francisca Raquel.
"A gente não pode pensar o 13 de maio a partir apenas de uma iniciativa de uma mulher branca livre, que foi a princesa Isabel. O 13 de maio é a resistência cotidiana dos escravizados, de negros e negras que participaram do movimento abolicionista. A pressão externa da Inglaterra e vários elementos culminaram [na decisão]", completou a professora.
A lenda conta a história de Crispim, um jovem de família de baixa renda, que residia à margem do rio Parnaíba, em Teresina. Um dia, ao chegar para almoçar, o rapaz encontra uma sopa rala, feita com ossos e sobras de refeições anteriores.
Crispim se revolta e inicia uma discussão com a própria mãe, arremessa um osso de boi contra ela, atingindo-a na cabeça e matando-a. Antes de morrer, no entanto, a mãe teria o amaldiçoado a ficar vagando pelos rios Parnaíba e Poti.
O jovem logo vira uma figura monstruosa, com uma enorme cabeça, no formato de uma cuia. Conforme a mãe, a maldição chegaria ao fim somente quando ele devorasse sete Marias virgens.
Após a sentença, Crispim corre ao rio Parnaíba, onde se afoga. Mas, segundo a lenda, seu corpo nunca foi localizado. Assim, moradores da região acreditam que o Cabeça de Cuia, além de procurar por virgens, é capaz de matar banhistas e virar embarcações no rio.
A narrativa popular é baseada em elementos culturais, históricos e em protetores da natureza, descritos em outros contos do folclore, servindo como um alerta para a preservação de rios, da fauna e flora.
Em Teresina, um monumento que homenageia o Cabeça de Cuia, situado no Parque Ambiental Encontro dos Rios, no bairro Poti Velho, é um dos mais visitados da capital. A figura folclórica se popularizou no final do século 19.
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