“Tenho mais medo dos vivos do que de fantasma”. Quem nunca ouviu – ou assumiu para si – o dito? Mas a julgar pelos relatos a seguir, em alguns lugares emblemáticos de Santos, o ditado vem sendo subvertido. Se não há exatamente medo, ninguém escapa do arrepio ao perceber no trivial o mistério. Pois quando o manto da noite cai sobre o mundo, estalo é terremoto, sussurro vira grito e sombra, assombração.
Tome-se o Teatro Coliseu, por exemplo. Quando José Roberto de Almeida começou a trabalhar no local como produtor da Orquestra Sinfônica Municipal de Santos (OSMS), nem imaginava o que estava por vir em uma noite de novembro de 2017. Era por volta de 21 horas. Ele trabalhava na instalação de spots de luz nas tribunas do segundo andar. “Terminei de um lado, fui para o outro. Quando passava em frente a uma das entradas da tribuna, eu vi”.
Foi de relance. Por entre as poltronas, estava um homem em pé, de braços cruzados, usando terno escuro e camisa branca. Surpreso, Roberto estancou. Quando olhou de novo, não havia mais ninguém. “Senti raiva, xinguei”.
Seguiu. Instalou os spots do outro lado e encerrou o serviço. Retornou pelo mesmo corredor, nem lembrava mais do episódio, queria ir logo para casa rever a família. Mas o insólito estava à espreita. “Quando passei em frente à outra entrada, lá estava ele de novo. E com a mão na cintura”.
Coincidência ou não, na semana seguinte, vários eventos extremos e inexplicáveis o perseguiram. Primeiro, sofreu um acidente de carro; depois, no meio de um show no teatro, a iluminação falhou. Ao verificar o que havia ocorrido, constatou que um dos spots havia sido desligado. “Não tinha como aquilo acontecer”, ressalta.
Impressionado, Roberto tomou uma atitude. “Fui de madrugada à tribuna, pedi desculpa, fiz uma oração. Desde então, nada mais aconteceu”.
Espanhol
Inaugurado em 1909, o Coliseu carrega nos ombros uma vasta história. Em 1924, reabriu já na configuração atual, recebendo ao longo das décadas grandes artistas e espetáculos. Diz-se que, nos anos 30, havia um zelador espanhol que morava no teatro. A julgar pelos relatos, ele ainda perambula por lá.
“Faz pouco tempo, houve um problema em uma minimontagem da ópera Madame Butterfly”, recorda o coordenador dos teatros santistas, Alcides Mesquita. “Ninguém conseguia fazer o elevador do fosso da orquestra subir. Tentou-se de tudo e, embora fosse elétrico, não havia nenhum defeito aparente”.
Quando já se desistia do intento, de repente, sem que ninguém acionasse nenhum botão ou mecanismo, o elevador começou a subir por si e parou no ponto exato à encenação. “Foi um susto. Lembramos do espanhol, que gostava muito de ópera”, ri Mesquita.
Ninguém sabe, mas talvez o espanhol tenha surgido na reinauguração do Coliseu, em 26 de janeiro de 2006. Naquela noite houve uma grande apresentação, que reuniu a Orquestra Sinfônica santista, pianistas, corais e cantores líricos. Após o espetáculo, nas coxias, uma das cantoras pediu a um segurança que tirasse uma foto dela com alguns amigos.
“Quando olhou o celular, espanto: atrás da cantora havia um homem de quase dois metros, com o rosto coberto por um capuz preto”, relembra Newton de Assis Júnior, técnico de cenografia, de 64 anos – 34 deles nos teatros santistas.
As histórias não param por aqui. Já houve relatos de piano tocando sozinho, de vultos que somem nos corredores, de coisas inexistentes partindo-se no chão, de portas que se batem frenéticas sem vento ou trepidação, como testemunhou a auxiliar de serviços gerais Jane Cleide.
Cada uma acrescenta uma pitada de mistério ao cotidiano e nos recorda de que, se a morte está à espreita, mais forte é a magia da vida.
Fachada do Teatro Coliseu em Santos - SP. |
Nos corredores da Prefeitura
O Paço Municipal de Santos abriga a sede da administração direta. Mas não faltam relatos de uma atividade indireta que ocorre nas sombras. Há 34 anos trabalhando no gabinete dos prefeitos, o primeiro garçom João José Oliveira já viveu um encontro inusitado. “Era umas 23h30, eu estava na copa, não havia mais ninguém aqui”, recorda. “Olhei na direção da porta ao lado: havia uma mulher de roupa escura, olhando pra mim”.
A mulher baixou os olhos, virou-se e foi pelo corredor. João a seguiu. A aparição caminhava devagar em direção à saída. Próximo à porta de vidro que delimita a área do gabinete, parou e olhou para o lado. João acompanhou o olhar. Foi apenas um segundo. “Quando virei de novo, não havia mais nada”.
De jeito comedido, mas alegre, João é compositor e criou mais de 300 canções, muitas já gravadas. Mas o semblante muda ao recordar essas histórias. O dia da máquina de xerox, por exemplo.
Era tarde da noite. Enquanto fechava portas e janelas, a máquina ligou sozinha. “Desliguei. Dei as costas, ela ligou. Desliguei de novo e fui embora correndo”.
Na manhã seguinte, soube que o funcionário que operava a máquina havia morrido naquela noite.
Luzes acesas
Na Prefeitura desde 1962, Walter Arias Gouvêa, de 82 anos, foi o encarregado da portaria do Paço nos anos 80. Embora não tenha diretamente vivido uma experiência sobrenatural, ouviu alguns relatos. “Uma noite, um funcionário desceu a escadaria correndo, branco como cera”, lembra. “O que foi? ‘Quando terminei de apagar as luzes, as do outro lado estavam todas acesas de novo’, respondeu”.
Walter tem uma teoria inusitada para todas essas aparições. “Isso é aquele funcionário puxa-saco, que fica sempre depois do horário. Quando morre, não consegue ir embora”.
Segundo relatos, Paço Municipal de Santos abriga mais do que a administração da cidade. |
Fonte: A Tribuna
Nenhum comentário:
Postar um comentário