Texto de 1987 relembra lendas urbanas antigas do interior paulista

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

Texto de 1987 relembra lendas urbanas antigas do interior paulista


Nessa semana, dia 22 de agosto, foi comemorado o Dia do Folclore. Lobisomem, bruxa, saci-pererê, assombração, mãe-do-ouro. Lendas e invenções? 

Pra muita gente, não. Talvez a crença exagerada nos mistérios de um outro mundo faz com que se tornem reais em “causos” que contam sempre com a mesma convicção e com a famosa frase: “Vi com esses olhos que a terra há de comer!”

Para comemorar essa essa data relembre algumas lendas do interior paulista, o texto com as lendas foi publicado em outubro de 1987 no semanário impresso A Província. Preservamos datas, idades, comentários e gramática originais do texto.

O BICHÃO PELUDO


Maria Aparecida Barbosa, de 30 anos, se lembra quando viu o lobisomen, “o bichão peludo”, como ela chama. Foi em janeiro de 84, quando ela estava passando férias em Mineiros do Tietê, uma cidade bem pequena onde moram seus tios. “Nós estávamos em nove pessoas, dois homens e sete mulheres, cantando música sertaneja e quando eram 10 horas, as outras pessoas foram embora e só ficou eu, minha amiga e minha tia”.

Coincidência ou não, era uma sexta-feira de lua cheia e quando eram 11 horas, elas ouviram um barulho estranho: “Era como um uivo de cachorro louco. Minha tia ficou apavorada, disse que era o lobisomem, e a gente tirou sarro dela, porque não acreditava nisso. Eu fui então abrir o vidro da porta e vi uma mão peluda e com unhas compridas, que queria entrar. Estava muito escuro, mas eu tive certeza que era mesmo o lobisomem”.

Quando viu o “bicho peludo”, Maria não ouviu o conselho da tia, que é mais experiente em relação a isso e pediu para ela oferecer sal ao lobisomem. Para ela, isso tem uma explicação: “Quando você é atacada por um lobisomem e oferecer sal pra ele, a primeira pessoa que bater na sua porta no dia seguinte pedindo sal foi quem se transformou”. Maria acredita plenamente na existência não só de lobisomem, como também da bruxa, do saci-pererê e da mula-sem-cabeça. Para ela, “o lobisomem ataca muito mais as mulheres, principalmente as grávidas”. E diz que isso também tem uma explicação: “Os homens que se transformam são porque tem alguma mulher que tem raiva deles, porque a mulher é que cria essas coisas, mulher é mais forte de cabeça. Lobisomem é praga de mãe ou de madrinha!”

A MÃE-DO-OURO


Luís Amaro, de 67 anos, se recorda até hoje de uma estranha aparição: a mãe-do-ouro. “Foi por volta de 45, em Bairrinho, a cinco quilômetros de Saltinho. Estava eu e meu irmão, a gente vinha andando pela estrada e viu um grande fogo azul que saiu de um morro e aterrou em outro”. Impressionados com o fato, foram até aos pais, que explicaram a eles que era “a mãe-do-ouro, um fogo que saia do diamante e não deixava o homem apoderar com a mão das riquezas naturais”.

Sobre a “mãe-do-ouro”, seu Luis tem uma outra história.

Ele conta que “uma vez, dois irmãos pegaram uma pedra num córrego do bairro Sertãozinho, em Rio das Pedras. O diamante era muito grande e eles quiseram dividir entre eles. Pegaram, colocaram em cima do toco de uma árvore e foram dar uma marretada. Mas qual! A marreta se partiu, a pedra foi embora, desapareceu junto com um grande fogo, que é a mãe do ouro, porque o homem não pode pegar no que é dela”.

O ASSOBIO DO PERNETA


Cinira Oliveira, de 58 anos, não viu, mas afirma que ouviu claramente o saci-pererê, “o assobio do perneta”, como ela diz. “Faz uns 30 anos, era uma noite de muito calor, e eu estava com minha mãe no terraço de minha casa no bairro dos Alemães (em Piracicaba)”.

Naquela época, o bairro dos Alemães era pouco habitado e tinha muitos terrenos baldios. Já passava das dez horas, e a mãe de Cinira disse que estava na hora de entrar pra casa. Ela não quis e a mãe alertou: “Cuidado, que essa é a hora preferida do saci!”. Cinira riu muito e disse que “é bom que ele apareça, eu quero mais é ver esse perneta”.

Hoje, ela diz que nunca deveria ter feito isso. Segundo ela, “o saci é um bicho muito traquina e a gente não pode zombar dele”. Portanto, não deu outra. Logo diz que ouviu “um assobio muito comprido, que não parecia humano, uma pisadinha manca quebrando os galhos e uma risadinha marota”. Teve certeza que era o saci pererê e logo desmaiou, “nem cheguei a ver a cara do perneta”.

A BRUXA ESTAVA SOLTA


Dona Cinira tem um outro “causo”, mas que aconteceu com seus irmãos: eles juraram que viram uma bruxa. “Foi na Fazenda Bom Retiro, em Santa Bárbara. Eles saíram, já faz mais de 50 anos, às duas horas para caçar passarinho”. Os meninos foram longe, atravessaram um riacho e pararam embaixo de uma árvore pra descansar um pouco. “Naquela euforia de moleque, diz Dona Cinira, nem repararam muito num barulho esquisito que vinha de cima da árvore. Quando olharam, viram uma velha horrível trepada no alto. Eles disseram que ela tinha a cara toda enrugada, parecia uma uva passa. O vestido era todo rasgado, o cabelo ia até a cintura e estava todo desgrenhado e ela fazia caretas”.

Cinira se lembra que os irmão chegaram sem falar em casa, e a mãe teve que dar água com açúcar para eles se acalmarem do susto. Quando eles contaram a história, a mãe não teve dúvidas: “Era uma bruxa!”. Ela diz que com o medo, os irmãos nem repararam se ela usava uma vassoura. Mas tem certeza de uma coisa: “Que era uma bruxa, isso era mesmo!”

Fonte: A Província 

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