Os segredos do livro mais antigo das Américas

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Os segredos do livro mais antigo das Américas

Descoberto por saqueadores há mais de 50 anos, vendido a um colecionador, esquecido num museu e agora revelado, livro mais antigo das Américas conta a história de uma civilização


Numa caverna perdida em Chiapas, sul do México, um bando de saqueadores encontrou um velho livro sagrado maia. As páginas mostravam descrições do movimento do planeta Vênus, delineadas ao lado de cenas de violência ancestrais, incluindo mutilações, torturas, sacrifícios e assassinatos. Para os ladrões de tesouros, aquela era uma promessa de dinheiro fácil. Era 1964 e eles contataram um colecionador mexicano. Conforme o próprio relatou, colocaram-no num avião cuja bússola estava tapada por um pedaço de pano. No destino, em algum lugar do interior do país, havia sido escondida a relíquia. Realizada a venda, a descoberta foi mantida em segredo até 1971. Naquele ano, foi exposta num clube nova-iorquino de bibliófilos e apressadamente considerada falsa por especialistas, dadas as circunstâncias como foi achada. Em decorrência disso, permaneceu décadas nos porões de um museu da Cidade do México, abandonada e desacreditada. Em setembro, porém, a história foi concluída de maneira surpreendente após a publicação de uma pesquisa feita pelas Universidades de Brown, Califórnia e Yale publicada no periódico científico “Maya Archeology”. A equipe constatou que o manuscrito não apenas é verdadeiro, como se trata do mais antigo livro das Américas. “É a escritura mais velha que sobreviveu no continente”, disse à ISTOÉ o arqueólogo e antropólogo Stephen Houston, da Universidade de Brown. “Data do século 11 ou 12 d.C., centenas de anos anterior a outras semelhantes.”


O livro mais antigo das Américas dá acesso a uma parte da cultura maia até então desconhecida, a do cotidiano das pessoas comuns. O manuscrito fazia profecias do dia a dia, mais ou menos como um horóscopo moderno, sendo usado por sacerdotes que lidavam diretamente com a população mais pobre. Mostrava ainda deuses que cuidavam de preocupações cotidianas, como o sol, a morte e os relâmpagos. Essas divindades estavam associadas aos movimentos de Vênus e por isso aquela civilização fez um calendário para o planeta, que eles pensavam ser uma estrela. O documento também desvela várias formas de atrocidades cometidas contra seres humanos, que eram atravessados por lanças, pendurados por cordas e atingidos por pedras nas mãos de deuses enfurecidos. A mensagem é que os dias de Vênus eram malevolentes.

Ruínas de templo maia em Palenque no México, na mesma região onde o manuscrito foi descoberto


TESTE DE VERACIDADE


O Códex de Grolier, batizado em função do nome do clube de bibliófilos onde foi exibido, não se parece em nada com outros três livros maias conhecidos, os códices de Dresden, Madri e Paris, assim chamados por conta do local onde estão expostos. Estes eram produtos luxuosos da nobreza, enquanto o de Grolier possui traços grosseiros, decorrentes da sua relação com as classes baixas. Os cientistas confirmaram sua veracidade por meio de diferentes métodos: a origem do manuscrito, sua iconografia, os significados das tabelas, o modo como o papel foi feito e a datação por carbono-14. Dois indícios são especialmente convincentes. O primeiro é o teste que comprova a idade do documento, entre 800 e 900 anos. O segundo é o fato de o livro conter elementos que ainda não eram conhecidos nos anos 1960, como deuses que só foram descobertos recentemente. Seria impossível para falsificadores adivinhar isso.

Os arqueólogos esperam que sua pesquisa derrube a barreira que impediu que o Códex de Grolier ganhasse o mundo. A decisão está nas mãos do museu mexicano que é dono do manuscrito. Caberá à instituição desengavetar o documento mais antigo das Américas. Afinal, “é um milagre que o livro tenha chegado aos dias de hoje”, afirma Houston.


Fonte: Istoe

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