Joyland de Stephen King chega ao Brasil, leia o primeiro capítulo!

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Joyland de Stephen King chega ao Brasil, leia o primeiro capítulo!


Grande novidade para os fãs do mestre do terror Stephen King. O livro Joyland já chegou nas livrarias nacionais no último mês de julho, o preço é de R$29,90 e tem 244 páginas de puro terror!


Sinopse


Um pequeno conselho: não se aventure na roda-gigante em uma noite chuvosa.

Carolina do Norte (EUA), 1973. O universitário Devin Jones começa um trabalho temporário no parque Joyland, esperando esquecer a namorada que partiu seu coração. Mas é outra garota que acaba mudando seu mundo para sempre: a vítima de um serial killer. 

Linda Grey foi morta no parque há anos, e diz a lenda que seu espírito ainda assombra o trem fantasma. Não demora para que Devin embarque em sua própria investigação, tentando juntar as pontas soltas do caso. O assassino ainda está à solta, mas o espírito de Linda precisa ser libertado - e para isso Dev conta com a ajuda de Mike, um menino com um dom especial e uma doença séria. 

O destino de uma criança e a realidade sombria da vida vêm à tona neste eletrizante mistério sobre amar e perder, sobre crescer e envelhecer e sobre aqueles que sequer tiveram a chance de passar por essas experiências porque a morte lhes chegou cedo demais.


Leia abaixo o primeiro capítulo do livro:

Eu tinha carro, mas, na maioria dos dias daquele outono de 1973, eu saía da Pensão Litorânea da sra. Shoplaw, na cidade de Heaven’s Bay, e ia andando para Joyland. Parecia a coisa certa a fazer. A única coisa, na verdade. No começo de setembro, a praia Heaven estava quase completamente deserta, o que combinava com meu estado de espírito. Aquele outono foi o mais bonito da minha vida. Mesmo quarenta anos depois, ainda posso dizer isso. E nunca fui tão infeliz, também posso dizer. As pessoas pensam que o primeiro amor é fofo e que fica ainda mais fofo depois que passa. Você já deve ter ouvido mil músicas pop e country que comprovam isso; sempre tem algum tolo de coração partido. No entanto, essa primeira mágoa é sempre a mais dolorosa, a que demora mais para cicatrizar e a que deixa a cicatriz mais visível. O que há de fofo nisso?

Ao longo de setembro e até outubro, os céus da Carolina do Norte estavam claros, e o ar quente mesmo às sete da manhã, quando eu saía da minha suíte no segundo andar pela escada externa. Se saísse vestido com um casaco leve, já estava com ele amarrado na cintura antes de chegar à metade dos cinco quilômetros entre a cidade e o parque de diversões. A Padaria da Betty era minha primeira parada, onde comprava dois croissants ainda quentes. Minha sombra, com pelo menos seis metros de comprimento, andava comigo na areia. Gaivotas esperançosas, ao sentirem o cheiro dos croissants embrulhados em papel-manteiga, voavam em círculos acima. E, quando eu andava de volta, normalmente por volta das cinco (embora às vezes eu ficasse até mais tarde, pois não havia nada me esperando em Heaven’s Bay, uma cidade que parecia adormecer quando o verão terminava), minha sombra andava comigo na água. Se a maré estivesse alta, ela tremia na superfície e parecia fazer uma hula-hula lenta. Embora eu não tenha certeza absoluta, acho que o garoto e a mulher e o cachorro estavam lá desde a primeira vez em que fiz aquela caminhada. A costa entre a cidade e as geringonças alegres e iluminadas de Joyland era cheia de casas de veraneio, muitas delas caras, a maioria sem ninguém depois do feriado do Labor Day, na primeira semana de setembro. Mas não a maior delas, a que parecia um castelo verde de madeira. Uma passarela levava do amplo quintal até onde as algas davam lugar à areia branca e fina. No final da passarela, havia uma mesa de piquenique protegida por um amplo guarda-sol verde. Na sombra dele, ficava o garoto sentado em uma cadeira de rodas, usando um boné e coberto da cintura para baixo com um cobertor, mesmo à tarde, quando a temperatura chegava aos vinte e tantos graus. Me parecia que ele tinha mais ou menos uns cinco anos, no máximo sete. O cachorro, um jack russell terrier, ficava deitado ao lado ou sentado aos pés dele. A mulher se sentava em um dos bancos da mesa de piquenique, às vezes lendo um livro, em geral apenas olhando para a água. Ela era muito bonita. Eu sempre acenava para eles, na ida e na volta, e o garoto acenava de volta. Ela não, ao menos no começo. O ano de 1973 foi o do embargo do petróleo da Opep, o ano em que Richard Nixon anunciou que não era um criminoso, o ano em que os atores Edward G. Robinson e Noel Coward morreram. Foi o ano perdido de Devin Jones. Eu era um virgem de vinte e um anos com aspirações literárias. Tinha três calças jeans, quatro cuecas, um Ford velho (com um rádio bom), pensamentos suicidas eventuais e um coração partido. Que fofo, hein? 

A garota que partiu meu coração foi Wendy Keegan, e ela não me merecia. Levei muito tempo para chegar a essa conclusão, mas como diz o velho ditado: antes tarde do que nunca. Ela era de Portsmouth, New Hampshire; eu, de South Berwick, Maine. Isso a tornava praticamente minha vizinha. Nós começamos a “sair” (como a gente dizia) no nosso primeiro ano na Universidade de New Hampshire. Na verdade, nos conhecemos na Confraternização dos Calouros, não é fofo? Parece uma dessas músicas pop. Fomos inseparáveis por dois anos, íamos a todos os lugares e fazíamos tudo juntos. Tudo menos “aquilo”. Nós dois estudávamos e trabalhávamos na universidade. O emprego dela era na biblioteca; o meu, no refeitório. Pediram que continuássemos trabalhando durante o verão de 1972, e é claro que aceitamos. O dinheiro não era grande coisa, mas o fato de podermos ficar juntos era indescritível. Eu pensei que o mesmo aconteceria no verão de 1973, até que Wendy anunciou que a amiga Renee conseguira emprego para as duas no Filene’s, em Boston. — Mas e eu? — perguntei. — Você sempre pode ir me visitar — respondeu ela. — Vou morrer de saudades, mas, falando sério, Dev, acho que vai ser bom passarmos um tempo separados. Essa é uma frase que costuma ser prenúncio de morte. Ela talvez tenha percebido o que eu pensei, porque ficou na ponta dos pés e me beijou. — Longe dos olhos, perto do coração. Além do mais, se eu tiver meu próprio apartamento, talvez você possa passar a noite comigo. Mas ela não me olhou nos olhos ao dizer isso, e eu nunca passei a noite lá. Havia colegas demais dividindo, dizia ela. E pouco tempo. Claro que esses problemas podiam ser contornados, mas nunca os contornamos, o que deveria ter sido um sinal; em retrospecto, isso deixa as coisas bem claras. Várias vezes chegamos perto “daquilo”, mas “aquilo” nunca acontecia. Ela sempre recuava e eu nunca a pressionava. Pelo amor de Deus, eu estava sendo um cavalheiro. Já me perguntei muitas vezes, depois, o que teria mudado (para o bem ou para o mal) se eu não tivesse sido. O que sei agora é que jovens cavalheiros raramente conseguem uma boceta. Pode bordar essa frase e pendurar na cozinha.

A perspectiva de mais um verão limpando o piso e enchendo as velhas lava-louças do refeitório com pratos sujos não me encantava muito, não com Wendy mais de cem quilômetros ao sul, aproveitando a vida agitada de Boston, mas era um emprego garantido, coisa de que eu precisava, e eu não tinha outras perspectivas. Mas, no final de fevereiro, uma caiu da pilha de louças praticamente no meu colo. Alguém andara lendo o Carolina Living enquanto comia o especial de almoço do dia, que por acaso era hambúrguer Mexicali com batatas Caramba. A pessoa deixara a revista na bandeja, e eu a peguei junto com os pratos. Quase a joguei no lixo, mas mudei de ideia. Material grátis de leitura era sempre material grátis de leitura. (Eu era um garoto que só estudava e trabalhava, lembre-se disso.) Enfiei no bolso de trás da calça e me esqueci dela até voltar para o quarto do alojamento. Lá, ela caiu no chão, quando fui trocar de calça, aberta na seção de classificados no final. A pessoa que est ivera lendo a revista circulara várias possibilidades de trabalho… embora, no final, ele ou ela deva ter decidido que nenhuma era boa; senão o Carolina Living não teria sido largado na bandeja. Perto do fim da página havia um anúncio que chamou minha atenção, apesar de não ter sido circulado. Em negrito, a primeira linha dizia: trabalhe no paraíso! Que estudante de letras poderia ler isso e não ficar curioso? E que rapaz triste de vinte e um anos, tomado pelo medo crescente de perder a namorada, não ficaria atraído pela ideia de trabalhar em um local com “alegria” no nome? Havia um número de telefone, e, de impulso, liguei para o parque Joyland. Uma semana depois, um formulário de emprego chegou à caixa de correio do meu alojamento. A carta anexada dizia que, se eu quisesse trabalhar em horário integral no verão (eu queria), faria vários serviços diferentes, a maioria de manutenção. Precisava ter uma carteira de motorista válida e passar por uma entrevista. Eu podia fazer isso nas férias de primavera em vez de ir passar a semana no Maine. Só que eu estava planejando passar pelo menos parte daquela semana com Wendy. Nós talvez até chegássemos a fazer “aquilo”. — Vá fazer a entrevista — disse Wendy quando falei com ela. Nem hesitou. — Vai ser uma aventura. — Ficar com você seria uma aventura — respondi. — Vamos ter bastante tempo para isso ano que vem. Ela ficou na ponta dos pés e me beijou (ela sempre ficava na ponta dos pés). Será que já estava saindo com o outro cara naquela época? Acho que não, mas aposto que já tinha reparado nele, porque o garoto era da turma dela de sociologia avançada. Renee St. Claire saberia e provavelmente me contaria se eu perguntasse (contar coisas era a especialidade de Renee, aposto que ela exauria o padre quando ia se confessar), mas há coisas que é melhor não saber. Tipo por que a garota que você amava de todo o coração só dizia não para você, mas foi para a cama com o próximo sujeito quase na primeira oportunidade. Não sei se alguém chega a superar completamente o primeiro amor, e isso ainda me irrita. Parte de mim quer saber o que havia de errado comigo. O que faltava. Tenho mais de sessenta anos agora, meu cabelo está grisalho e sou sobrevivente de um câncer de próstata, mas ainda quero saber por que eu não era bom o bastante para Wendy Keegan.

Peguei um trem chamado Southerner de Boston até a Carolina do Norte (não foi bem uma aventura, mas foi barato) e um ônibus de Wilmington até Heaven’s Bay. Minha entrevista foi com Fred Dean, que era, entre muitas outras funções, o chefe dos funcionários de Joyland. Depois de quinze minutos de perguntas e respostas e uma olhada em minha carteira de motorista e em meu certificado do curso de primeiros socorros da Cruz Vermelha, ele me deu um cartão de plástico preso em um cordão. Tinha a palavra visitante, a data daquele dia e o desenho de um pastor-alemão sorridente de olhos azuis, ligeiramente parecido com o famoso detetive de desenho animado Scooby-Doo. — Dê uma volta por aí — disse Dean. — Ande na Carolina Spin se quiser. A maioria dos brinquedos ainda não está funcionando, mas a roda-gigante está. Diga a Lane que eu permiti. O que dei a você é um passe diário, mas quero que volte aqui até… — Ele olhou o relógio. — Uma da tarde mais ou menos. Então me diga se quer o emprego. Ainda tenho cinco vagas, mas todas são basicamente a mesma coisa, de Ajudante Feliz. — Obrigado, senhor. Ele assentiu, sorrindo. — Não sei o que você acha daqui, mas, para mim, é ótimo. É meio velho e instável, mas acho que tem um charme. Tentei a Disney uma época, mas não gostei. É muito… sei lá…— Corporativo? — arrisquei. — Exatamente. Corporativo demais. Muito arrumado e brilhante. Então voltei para Joyland há alguns anos. Não me arrependi. A coisa é um pouco mais improvisada aqui, tem um pouco daquele sabor de parque de diversões antigo. Vá dar uma olhada. Veja o que acha. Mais importante, veja o que sente. — Posso fazer uma pergunta primeiro? — Claro. Toquei o passe diário. — Quem é o cachorro? O sorriso dele aumentou. — É Howie, o Cão Feliz, mascote de Joyland. Bradley Easterbrook construiu Joyland, e o Howie original era o cachorro dele. Já está morto faz tempo, mas você vai vê-lo bastante se trabalhar aqui no verão. Eu vi… e não vi. É um enigma simples, mas a explicação vai ter que esperar um pouco.


Joyland era um parque indie não tão grande quanto um Six Flags e não chegava nem perto da Disney em tamanho, mas era grande o suficiente para ser impressionante, sobretudo com a Joyland Avenue, o caminho principal, e o Hound Dog Way, o caminho secundário, quase vazios e parecendo ter oito pistas de largura. Eu ouvi o zumbido de serras elétricas e vi muitos operários — a maior equipe cuidava da Thunderball, uma das duas montanhas-russas de Joyland —, mas não havia visitantes porque o parque só abriria no dia 15 de maio. Algumas lanchonetes estavam abertas para cuidar da alimentação dos operários, e uma senhora na frente de um quiosque de adivinhação, todo pintado com estrelas, me olhou com desconfiança. Com uma exceção, tudo estava bem parado. A exceção era a Carolina Spin. Tinha cinquenta metros de altura (descobri isso depois) e girava muito devagar. Na frente do brinquedo havia um homem musculoso, de calça jeans surrada, botas de couro gastas manchadas de graxa e regata. Ele usava um chapéu-coco inclina-do sobre o cabelo preto como carvão. Um cigarro sem filtro estava preso atrás da orelha. Parecia um panfleteiro de parque de diversões de uma antiga tirinha de quadrinhos. Ao lado dele havia uma caixa de ferramentas aberta e um grande rádio portátil em cima de um caixote laranja. The Faces estava cantando “Stay with Me”. O homem balançava a cabeça no ritmo, com as mãos nos bolsos de trás, movendo o quadril de um lado para o outro. Tive um pensamento absurdo, mas perfeitamente claro: Quando eu crescer, quero ser igual a esse cara. Ele apontou para o passe. — Freddy Dean mandou você, certo? Disse que tudo estava fechado, mas que poderia dar uma volta na roda-gigante. — Sim, senhor. — Quando terminar, vai se apaixonar. Fred gosta que a garotada conheça a vista privilegiada. Vai pegar o trabalho? — Acho que vou. Ele estendeu a mão. — Sou Lane Hardy. Bem-vindo a bordo, garoto. Eu apertei a mão dele. — Devin Jones. — Prazer em conhecê-lo. Lane começou a subir a rampa para o brinquedo que girava lentamente, segurou uma alavanca comprida que parecia um câmbio de carro e a puxou para trás. A roda-gigante parou devagar, com uma das cabines alegremente pintadas — com a imagem de Howie, o Cão Feliz — balançando na plataforma de entrada de passageiros. — Suba, Jonesy. Vou mandar você lá para o topo, onde o ar é pouco e a vista é coisa de louco. Entrei na cabine e fechei a porta. Lane a sacudiu para ter certeza de que estava presa, baixou a trava de segurança e voltou para seus controles rudimentares. — Pronto para a decolagem, capitão? — Acho que sim. — O assombro o aguarda. Ele deu uma piscadela e moveu a alavanca de controle. A roda começou a girar de novo e, de repente, ele estava erguendo o rosto para me ver subindo. A senhora perto do quiosque de adivinhação também. Ela esticava o pescoço e cobria os olhos. Eu acenei, mas a mulher não retribuiu o gesto. Então, eu estava acima de tudo, menos das quedas e curvas da Thunderball, subindo no ar gelado do começo de primavera e sentindo — era besteira, mas verdade — que todos os problemas e preocupações tinham ficado lá embaixo. Joyland não era um parque temático, o que permitia que tivesse um pouco de tudo. Havia uma montanha-russa secundária chamada Delirium Shaker e um toboágua chamado Captain Nemo’s Splash & Crash. Mais a oeste do parque havia um anexo especial para os pequenos, chamado Vila Wiggle-Waggle. Tinha também um salão onde a maioria dos shows — isso também descobri depois — era de cantores country ou roqueiros que tinham feito sucesso nos anos 1950 e 1960. Eu lembro que Johnny Otis e Big Joe Turner fizeram um show lá juntos. Tive que perguntar a Brenda Rafferty, a contadora-chefe, que também era uma espécie de mãezona das Garotas de Hollywood, quem eram eles. Bren me achava burro; eu a achava velha; nós dois devíamos estar certos. Lane Hardy me levou até o alto e parou a roda. Fiquei na cabine balançante, preso pela barra de segurança e olhando para um mundo novinho em folha. A oeste ficavam as planícies da Carolina do Norte, que pareciam incrivelmente verdes para um garoto da Nova Inglaterra acostumado a pensar em março como um mês gelado e lamacento, antes da primavera. Ao leste ficava o mar, de um escuro azul-metálico, até que se abria em pulsações brancas e cremosas na praia por onde eu arrastaria meu coração maltratado para cima e para baixo dali a alguns meses. Logo abaixo de mim ficava a agradável confusão que era Joyland, com brinquedos grandes e pequenos, o salão de shows e as lanchonetes, as lojas de suvenir e o Trenzinho do Cão Feliz, que levava os frequentadores até os hotéis das redondezas e, claro, até a praia. Ao norte ficava Heaven’s Bay. De lá do topo (onde o ar é pouco), a cidade parecia um amontoado de blocos infantis no qual quatro torres de igreja se destacavam nos quatro pontos cardeais. A roda começou a se mover. Eu desci me sentindo um garoto de uma história de Rudyard Kipling, montando a tromba de um elefante. Lane Hardy parou o brinquedo, mas não se mexeu para abrir a porta da cabine; afinal, eu era quase um funcionário. — E aí, gostou? — Muito. — É, não é ruim para um brinquedo de vovó. — Ele ajeitou o chapéu para que ficasse inclinado para o outro lado e olhou para mim com uma expressão avaliadora. — Qual é a sua altura? Um e noventa? — Um e noventa e três. — Certo. Vamos ver se você vai gostar de andar na Spin, com seu 1,93 metro, no meio de julho, usando a fantasia e cantando “Parabéns pra você” para algum melequento mimado com algodão-doce em uma das mãos e um sorvete derretendo na outra. — Que fantasia? Mas ele estava voltando para os controles e não respondeu. Talvez não tivesse me ouvido por causa do rádio, que tocava “Crocodile Rock”. Ou talvez só quisesse que meu futuro como um dos Cães Felizes de Joyland fosse surpresa.

Ainda faltava mais de uma hora para reencontrar Fred Dean, então andei pelo Hound Dog Way na direção de um trailer que parecia estar indo bem nos negócios. Nem tudo em Joyland tinha tema de cachorro, mas muita coisa tinha, incluindo aquela lanchonete em particular que se chamava Pup-A-Licious, fazendo referência a um filhotinho delicioso. Eu estava com o orçamento apertadíssimo naquela pequena viagem de procura de emprego, mas achei que poderia gastar uns dois dólares com um cachorro-quente e uma porção de batatas fritas. Quando cheguei ao quiosque de quiromancia, Madame Fortuna se colocou no meu caminho. Só que, na verdade, ela era Madame Fortuna apenas entre o dia 15 de junho e o Labor Day. Durante aquelas dezesseis semanas, vestia saias compridas, camadas de blusas transparentes e xales decorados com vários símbolos cabalísticos. Pendurava aros dourados nas orelhas, tão pesados que puxavam os lóbulos para baixo, e falava com um pesado sotaque romani que a fazia parecer um personagem daqueles filmes de terror dos anos 1930, com castelos envoltos em névoa e lobos uivando. Durante o restante do ano, ela era uma viúva do Brooklyn, sem filhos, que colecionava bonecos Hummel e gostava de cinema (principalmente de filmes tristes em que uma garota tinha câncer e morria de forma linda). Naquele dia ela estava bem-arrumada, com um terninho preto e saltos baixos. Um lenço cor-de-rosa no pescoço acrescentava um pouco de vida ao visual. Como Fortuna, ela usava uma cabeleira grisalha cacheada, mas era peruca, e ainda estava guardada embaixo do domo de vidro na casinha dela em Heaven’s Bay. Seu cabelo de verdade era curto e pintado de preto. A fã de Love Story — Uma história de amor do Brooklyn e a Madame Fortuna só tinham uma coisa em comum: as duas se achavam médiuns. — Tem uma sombra pairando sobre você, meu jovem — anunciou ela. Olhei para baixo e vi que ela estava coberta de razão. Eu estava de pé na sombra da Carolina Spin. Nós dois estávamos. — Não essa, seu burro. Sobre o seu futuro. Você vai ter fome. Eu já estava com bastante fome, mas um cachorro-quente do Pup- -A-Licious logo cuidaria disso. — Que interessante, senhora… hã… — Rosalind Gold — apresentou-se ela, estendendo a mão. — Mas pode me chamar de Rozzie. Todo mundo chama. Mas durante o verão… — Ela incorporou o personagem, o que quer dizer que falou como um Béla Lugosi com peitos. — Durrante o verrão, sou… Forrtuna! Apertei a mão dela. Se Rozzie estivesse também vestida como o personagem, umas seis pulseiras estariam tilintando em seu pulso. — Muito prazer em conhecê-la. — E, tentando usar o mesmo sotaque: — Eu sou… Devin! Ela não achou graça. — Nome irlandês? — Isso. — Os irlandeses são cheios de tristeza e muitos têm sexto sentido. Não sei se é o seu caso, mas vai conhecer uma pessoa que tem. Na verdade, eu estava cheio de alegria… e de vontade crescente de enfiar um cachorrinho Pup-A-Licious, de preferência cheio de molho, garganta abaixo. Aquilo estava parecendo uma aventura. Eu disse a mim mesmo que provavelmente não pensaria assim quando estivesse esfregando banheiros no final de um dia movimentado ou limpando vômito das cadeiras daquelas xícaras rodopiantes, as Whirly Cups, mas naquele momento tudo parecia perfeito. — Você está treinando seu número? Ela se empertigou ao máximo, o que deve tê-la deixado com um metro e sessenta. — Não é um número, meu rapaz. — Ela disse nímerro em vez de número. — Judeus são a raça mais mediúnica na face da Terra. Todo mundo sabe disso. Ela parou de usar o sotaque. — Além do mais, Joyland é melhor do que uma barraquinha de leitura de mãos na Second Avenue. Triste ou não, gosto de você. Me passa boas vibrações. — “Good Vibrations” é o nome de uma das minhas músicas favoritas dos Beach Boys. — Mas você está à beira de grande tristeza. — Ela fez uma pausa para dar ênfase. — E talvez corra perigo. — Você vê uma bela mulher de cabelo escuro no meu futuro? Wendy era uma bela mulher de cabelo escuro. — Não — disse Rozzie, e o que veio em seguida me fez congelar. — Ela está no seu passado. Oh-kay. Eu a contornei e fui em direção à Pup-A-Licious, tomando o cuidado de não encostar nela. Rozzie era uma charlatã, eu não tinha a menor dúvida disso, mas tocá-la naquele momento ainda parecia uma péssima ideia. Não adiantou. Ela começou a me acompanhar. — No seu futuro, há uma garotinha e um garotinho. O garoto tem um cachorro. — Um Cão Feliz, aposto. Provavelmente chamado Howie. Ela ignorou essa última tentativa de piada. — A garota usa um chapéu vermelho e carrega uma boneca. Uma dessas crianças tem sexto sentido. Não sei qual. Não consigo ver. Quase não prestei atenção nessa última parte do número dela. Eu estava pensando na revelação anterior, feita com sotaque do Brooklyn: Ela está no seu passado. Madame Fortuna errava muitas coisas, eu descobri depois, mas parece que tinha mesmo um quê de médium, e, no dia em que fiz a entrevista para aquele emprego de verão em Joyland, ela estava acertando todas as previsões.

Eu consegui o emprego. O sr. Dean ficou particularmente satisfeito com meu certificado do curso de primeiros socorros da Cruz Vermelha, que obtive na Associação Cristã de Moços no verão em que fiz dezesseis anos. Aquele tinha sido o Verão do Tédio, como eu o chamava. Nos anos seguintes, descobri que o tédio é subestimado. Avisei para o sr. Dean quando terminariam minhas provas e prometi que estaria em Joyland dois dias depois, pronto para me juntar à equipe e começar o treinamento. Apertamos as mãos e ele me deu boas- -vindas. Em dado momento, me perguntei se ele ia me pedir para dar o Latido do Cão Feliz com ele ou algo equivalente, mas Dean, um homenzinho de olhos atentos e passos leves, apenas me desejou um bom- -dia e me acompanhou até a saída do escritório. Na varandinha de concreto do escritório, ouvindo o som das ondas e sentindo o cheiro de maresia no ar, fiquei empolgado de novo e ansioso para o verão começar. — Você está no ramo da diversão agora, jovem sr. Jones — disse meu novo chefe. — Não no estilo dos parques itinerantes, não exatamente, não é assim que as coisas funcionam agora, mas também não é tão diferente. Você sabe o que isso quer dizer, estar no ramo da diversão? — Não, senhor, não exatamente. Os olhos dele estavam solenes, mas havia um leve sorriso nos lábios. — Quer dizer que os caipiras precisam ir embora com um sorriso no rosto. E, a propósito, se algum dia eu ouvir você chamando um cliente de caipira, vai estar no olho da rua tão rápido que nem vai saber como foi parar lá. Posso falar isso porque estou no ramo da diversão desde que comecei a ter barba na cara. Eles são caipiras, iguaizinhos aos matutos de Oklahoma e do Arkansas que ficavam maravilhados com todos os parquinhos em que trabalhei depois da Segunda Guerra Mundial. As pessoas que vêm a Joyland podem usar roupas melhores e dirigirem Fords e micro-ônibus da Volkswagen em vez de picapes Farmall, mas o lugar transforma todos em caipiras de queixo caído. Se não tiver esse efeito, não está funcionando bem. Mas você pode chamar todos de Bob. Para eles, vai parecer um apelido qualquer. Mas nós sabemos a verdade. Eles são bobos, sr. Jones, uns bobos deslumbrados que adoram diversão e pulam de brinquedo em brinquedo sem pensar em mais nada. Ele piscou para mim e apertou meu ombro. — Os Bobs têm que ir embora felizes, senão este lugar seca e morre. Já vi acontecer, e, quando acontece, é rápido. É um parque de diversões, jovem sr. Jones, então cuide bem dos Bobs e só dê puxões leves na orelha deles. Em uma palavra: divirta-os. — Tudo bem — falei… embora não soubesse quanta diversão ofereceria aos frequentadores ao encerar os Devil Wagons (a versão de Joyland dos carrinhos bate-bate) ou limpar o Hound Dog Way depois do fechamento dos portões. — E não ouse me abandonar quando mais precisarei de você. Esteja aqui na data combinada e cinco minutos antes do horário combinado. — Certo. — Há duas regras importantes no ramo da diversão, garoto: sempre saiba onde está sua carteira… e apareça.

Quando saí pelo amplo arco com bem-vindos a joyland escrito em letras néon (apagadas naquele momento) para o estacionamento quase vazio, Lane Hardy estava encostado em uma das bilheterias fechadas, fumando o cigarro anteriormente preso atrás da orelha. — Não se pode mais fumar lá dentro — explicou ele. — Nova regra. O sr. Easterbrook diz que somos o primeiro parque dos Estados Unidos a determinar isso, mas não vamos ser o último. Conseguiu o emprego? — Consegui. — Parabéns. Freddy fez o discurso dos parques? — Fez, mais ou menos. — Falou sobre cuidar bem dos Bobs? — Falou. — Ele pode ser um saco, mas é experiente no ramo. Já viu de tudo, mais de uma vez, e não está errado. Acho que você vai se sair bem. Você tem aura de parque de diversões, garoto Ele balançou a mão na direção do parque, com os brinquedos se projetando contra o céu azul imaculado: a Thunderball, a Delirium Shaker, as curvas e espirais do toboágua do Captain Nemo e, claro, a Carolina Spin. — Quem sabe... talvez este lugar seja seu futuro. — Pode ser — falei, embora já soubesse o que queria para o futuro: escrever livros e o tipo de conto publicado na The New Yorker. Eu já tinha planejado tudo. Claro que também tinha planejado me casar com Wendy Keegan e que esperaríamos até os trinta e poucos anos para ter dois filhos. Quando se tem vinte e um anos, a vida é um mapa rodoviário. Só quando se chega aos vinte e cinco, mais ou menos, é que se começa a desconfiar que estávamos olhando para o mapa de cabeça para baixo, e apenas aos quarenta temos certeza absoluta disso. Quando se chega aos sessenta, vai por mim, já se está completamente perdido. — Rozzie Gold despejou em você aquela baboseira habitual de previsões da Fortuna? — Hã… Lane riu. — Por que eu ainda pergunto? Mas lembre, garoto, noventa por cento do que ela fala é baboseira mesmo. Os outros dez… vamos apenas dizer que ela já disse coisas que deixaram algumas pessoas abaladas. — E você? — perguntei. — Alguma revelação deixou você abalado? Ele sorriu. — O dia em que eu deixar Rozzie ler minha mão vai ser o dia em que vou voltar para a rua, para o circuito de parques itinerantes. O filhinho da sra. Hardy não se mete com tabuleiros Ouija nem com bolas de cristal. Você vê uma bela mulher de cabelo escuro no meu futuro?, eu havia perguntado. Não. Ela está no seu passado. Hardy estava me olhando com atenção. — O que foi? O gato comeu sua língua? — Não foi nada. — Vamos lá, filho. Ela falou a verdade ou falou baboseira? Coca- -Cola ou Pepsi? Conte para o papai.

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