Desenterrando o passado

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Desenterrando o passado


D. Leopoldina passa por tomografia (Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)

Cientistas brasileiros exumaram pela primeira vez para pesquisa os restos mortais de D. Pedro I, o primeiro imperador brasileiro, além de suas duas mulheres, as imperatrizes Dona Leopoldina e Dona Amélia.

A exumação fez parte do trabalho de mestrado da arqueóloga e historiadora Valdirene do Carmo Ambiel, que defendeu nesta segunda-feira (18) sua dissertação no Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo (USP).

De acordo com Valdirene, os exames foram realizados em 2012 – entre fevereiro e setembro. Ela afirma que obteve em 2010 autorização de descendentes da família real brasileira para exumar os restos mortais. No entanto, negociações para que isto ocorresse iniciaram anos antes. “De forma oficial, esse trabalho começou a acontecer em 2010, mas ele se iniciou mesmo há oito anos”, explicou Valdirene ao G1.

Os exames foram realizados no Hospital das Clínicas de São Paulo e contaram com a ajuda de especialistas da Faculdade de Medicina da USP.

Transporte feito de madrugada


Exumação de D. Pedro I (Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)

Segundo informações do site do jornal "O Estado de S. Paulo", um esquema de segurança foi montado para transportar as urnas funerárias de madrugada desde a cripta imperial, no Parque da Independência, no bairro do Ipiranga, até o local dos exames, em Cerqueira César, onde, sob sigilo, os esqueletos foram submetidos a ultrassonografias e tomografias.

O site do jornal informa ainda que as análises revelaram que D. Pedro I fraturou ao longo de sua vida quatro costelas do lado esquerdo, consequência de dois acidentes -- uma queda de cavalo e quebra de carruagem. Isso teria prejudicado um de seus pulmões e, consequentemente, agravado uma tuberculose que causou sua morte aos 36 anos, em 1834. Ele media entre 1,66 m e 1,73 m e foi enterrado com roupas de general.

Restos de D. Leopoldina (Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)

O "Estado" informa aponta que a exumação dos restos mortais de Dona Leopoldina contradiz a história de que a então imperatriz do Brasil teria fraturado o fêmur após Dom Pedro I tê-la empurrado de uma escada do palácio Quinta da Boa Vista, então residência da família real, localizada no Rio de Janeiro. No exame, não foram encontradas fraturas.

Imperatriz mumificada


Dona Amelia surpreendeu por estar mumificada (Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)

No caso da segunda mulher do primeiro imperador do país, Dona Amélia, segundo noticia o "Estado", os cientistas se surpreenderam ao ver que a imperatriz foi mumificada e tinha partes do seu corpo preservados, como cabelos, unhas e cílios. Um crucifixo de madeira e metal foi enterrado com ela.

Detalhe das mãos de D. Amélia segurando um crucifixo (Foto: Divulgação/Valter Diogo Muniz)

Relevância

Ilustração da família imperial

De acordo com Astolfo Gomes de Mello de Araújo, professor de Arqueologia do MAE/USP e um dos orientadores do trabalho de Valdirene, a exumação dos corpos de parte da família real brasileira é importante para entender melhor o período imperial que o país viveu, que, segundo ele, é tratado com relativamente pouca relevância.

“O Brasil, de uma maneira geral, tem uma memória histórica curta (...) O trabalho mostrou que havia ali dados importantes, além de derrubar a dúvida de que ali pudessem não estar enterrados os restos mortais”, disse Araújo, referindo-se ao Monumento da Independência, cripta imperial localizada em São Paulo, onde estão as urnas funerárias.

Ele disse que medalhas e comendas que foram enterradas com D. Pedro I foram recuperadas durante a análise das urnas funerárias. Segundo o professor, esses materiais passam por restauração e estão atualmente em posse do Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura de São Paulo. “Esse material foi recolhido e deve ser exposto”, explica.

O orientador ressaltou ainda a importância da obtenção das autorizações para a exumação, tanto de integrantes da família real brasileira, quanto do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

“Que isto sirva de exemplo até para outros países, onde há cada vez mais tabu em relação ao estudo de restos humanos (...) As pessoas acham que os restos mortais não podem ser manipulados. Isso é um retrocesso total, porque ali há informações importantes. Os restos humanos são tratados com respeito”, disse.

As causas exatas da mumificação de d. Amélia ainda estão sendo investigadas - não era comum entre a nobreza de Portugal que mulheres recebessem tratamento para ficarem preservadas. "Pode ter sido um 'acidente de percurso'. Ela foi tratada para ficar conservada alguns dias, para o funeral, e isso acabou inibindo o processo de decomposição", diz Valdirene. Os exames no Hospital das Clínicas revelaram uma incisão na jugular da imperatriz. Por ali, foram injetados aromáticos como cânfora e mirra. "No caso de d. Amélia, havia um forte odor de cânfora quando abrimos o caixão. Certamente, ajudou a anular o processo de decomposição."

Também contribuiu para a mumificação, segundo a pesquisadora, a ausência de fatores para a decomposição. "A urna foi tão hermeticamente lacrada que não havia microorganismos para realizar a decomposição. É irônico que tenha acontecido justamente com Amélia, que pediu expressamente um funeral simples, nos quais não se costumava preparar os mortos para preservação", explica Valdirene, referindo-se ao testamento de Amélia de Leuchtemberg, no qual consta o pedido de um funeral sem ostentações. O documento, porém, só foi lido após o enterro, quando a mumificação já havia sido preparada.

Após passar pelo aparelho de tomografia do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas e de receber uma biópsia, a imperatriz foi "remumificada" - ela recebeu novo processo de embalsamamento, semelhante ao qual havia passado 136 anos antes. Valdirene também foi a responsável por preparar e aplicar na múmia uma solução semelhante à usada em Portugal no século 18 (500g de naftalina, 500g de cânfora, 300g de manganato de potássio, 2,5 litros de álcool a 92%, 2 litros de formol e 500g de timol). Com gaze e algodão, passou a mistura em todas as partes visíveis da imperatriz - face, pés, mãos e pescoço. "Também passamos a solução nas laterais do corpo preservado, para que receba o tratamento por absorção. Nas costas ficou do jeito que estava, já que não podíamos levantá-la do caixão", conta a arqueóloga.

Com a descoberta, o caixão de d. Amélia recebeu um visor de vidro, que permitirá - apenas a pesquisadores - observar seu estado de conservação. No plano que apresentou à Prefeitura, Valdirene se propõe a fazer visitas semanais à cripta, para checar a preservação da múmia. "Faz parte do projeto de preservação dos restos mortais da família imperial. Precisamos tomar conta das descobertas", diz.

Agora, precisamos pesquisar para entender exatamente por que ela ficou assim e, mais importante ainda, compreender melhor quem foi essa mulher, uma imperatriz esquecida na História do Brasil", diz a arqueóloga Valdirene Ambiel, responsável pelas pesquisas na cripta do Ipiranga. "Quando a trouxeram à cripta, em 1982, dizia-se que ela estava 'preservada', mas ninguém sabia que poderia ser considerada múmia."

Fontes: G1Estadão

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