A lenda do Ipupiara, o Monstro Marinho de São Vicente- SP

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

A lenda do Ipupiara, o Monstro Marinho de São Vicente- SP


O verão começou no Brasil oficialmente ontem, época de sol, férias, viagens, praias, então aproveitando a temporada de calor trouxemos uma lenda do litoral paulista, lenda essa que surgiu em 1560 e tomou conta da cidade de São Vicente-SP.

Nessa postagem mostraremos a versão da lenda na época das navegações, a versão indígena da lenda e também falaremos um pouco sobre o Ipupiara nos dias de hoje.


A lenda na época das navegações

Vem de longínquas eras a crença na existência de seres estranhos e ferozes, espantosos ou maléficos que povoaram a Terra. As lendas e mitos engendrados pela criatividade imaginativa do ser humano nos legaram aspectos lendários e míticos, através de narrativas das mais absurdas e fantásticas.

De fato, desde os tempos mais remotos, predominavam incríveis relatos a respeito de criaturas quiméricas que se deslocavam pela vastidão dos oceanos, atemorizando os homens do mar. Tais narrativas falavam de tritões, sereias, serpentes marinhas e outras figuras horrendas que povoavam os mares intermináveis.

Em 1560, um padre que estava na Ilha de Manar, distante 200 léguas (aproximadamente 1.200 quilômetros de Goa), foi chamado às pressas por um grupo de pescadores para ver alguns tritões e sereias que estavam presos nas redes da embarcação. Atendendo ao chamado, o religioso pôde verificar as estranhas criaturas, que tinham uma certa semelhança com os seres humanos, ostentando forma de peixe (cauda) da cintura para baixo.

Um relato do livro Entretiens de Mer, editado em 1643, fala de um tritão ou homem marinho que apareceu na costa da Bretanha e, segundo pôde ser observado pelos pescadores, tinha os olhos sombrios e uma vasta cabeleira, que flutuava sobre as espáduas, além de uma barba que chegava até a altura da cintura. Ele rompeu a rede que foi atirada para capturá-lo, permanecendo com a parte inferior na água, batendo as mãos e fazendo um ruído estridente com a boca, até desaparecer sob o marulhar das ondas.

Na época dos descobrimentos, antigos relatos mitológicos ainda aguçavam a mente dos navegadores e aventureiros que ousaram singrar os mares tenebrosos, sombrios e perigosos. Por aquele tempo, destemidas tripulações que guarneciam os barcos à vela cruzaram os oceanos em busca de terras incógnitas e misteriosas, sempre atentos, procurando avistar profundos abismos ou encontrar algum monstro marinho na superfície da água.

Quando os navegadores portugueses chegaram ao Brasil, corria a notícia de serpentes monstruosas e de tantas outras assombrosas aberrações. Tanto é que os indígenas tinham pavor da ipupiara, que, segundo a crença, era o "demônio das águas" e que, além de paralisá-los com o olhar profundo, cingia-os com um abraço moral, arrastando-os para o fundo do mar.

Na sua História da Província de Santa Cruz (Lisboa, 1575), o escritor Pero de Magalhães Gandavo conta que, no decorrer de 1564, apareceu um monstro marinho na Vila de São Vicente e que foi abatido a golpes de espada pelo capitão Baltazar Ferreira, lugar-tenente do capitão-mor Jorge Ferreira.

Segundo o relato, depois de morto, o "monstro" foi arrastado da praia para a praça da vila, onde ficou exposto diante da população estupefata, uma vez que tinha cerca de 15 palmos de comprimento e umas "serdas (pêlos) muy grandes", parecendo bigodes.

A luta entre a fantástica Hipupyara e o nobre capitão, reproduzida na obra de Gandavo, levou o historiador Benedito Calixto a tecer o seguinte comentário, publicado no Indicador Comercial Santista (1908): "Há, na verdade, um tanto de exagero e imperícia no desenho do monstro, que foi traçado por algum curioso, aqui em São Vicente, e corrigido pelo artista gravador em Lisboa, que humanizou a figura de Balthazar Ferreira e (o gravador) marcou, no fundo da gravura, com minúcias e nitidez, uma parte da Vila de São Vicente, com seus edifícios e templos, um tanto fantasiosos e arbitrários".

Para o naturalista Charles J. Cornish, o monstro marinho poderia ser um lamantino da América, conhecido como lobo ou leão-marinho, com as seguintes características: "Cauda arredondada, nadadeiras com unhas externas, duma independência e energia notáveis (...) O corpo semeado de pêlos curtos. Não tem sete vértebras cervicais, como todos os mamíferos, e sim, seis. A natureza da alimentação e a estrutura dos dentes indica que os serênicos têm o hábito de ruminar..."

Na época atual, os turistas e visitantes podem andar tranqüilamente em São Vicente sem receio de encontrar o decantado "demónio das águas". Isso, apesar de alguns pingüins, focas, leões e outros pequenos seres marinhos surgirem de vez em quando, trazidos pelas correntes marítimas e que, devido aos ferimentos ou exaustão, são acolhidos em terra.

O certo é que os forasteiros poderão desfrutar de um belo e aprazível recanto denominado Parque Ipupiara, que abrange, inclusive, a tradicional Praça da Biquinha.

Ipupiara sendo morto por Baltazar Ferreira, em ilustração do livro História da Província de Santa Cruz, de Pero de Magalhães Gandavo


Versão indígena da lenda

O Ipupiara, Igpupiara ou Hypupiara (do tupi ïpupi'ara, "monstro marinho"), segundo os tupis do atual litoral brasileiro no século XVI, era um monstro marinho e antropófago.

Uma crônica de Pero de Magalhães Gândavo, publicada em 1575, conta que um ipupiara aparecera em 1564 na praia de São Vicente (SP), a primeira vila brasileira, e aterrorizou a escrava índia Irecê, que ia encontrar o amante na praia e viu a aparição do monstro como um castigo. O ipupiara, aparentemente, já matara seu amante, Andirá. Fugiu apavorada, mas no caminho encontrou o capitão Baltasar Ferreira que enfrentou o monstro e o abateu a golpes de espada (era o representante em São Vicente do capitão-mor Pedro Ferras Barreto, que residia em Santos). Segundo o cronista, o monstro tinha “quinze palmos de comprido” (3,30 metros) e era “semeado de cabelos pelo corpo e no focinho tinha umas sedas mui grandes como bigodes”.

Outro cronista colonial, o jesuíta Fernão Cardim, dizia que tais criaturas tinham boa estatura, mas eram muito repulsivas. Matavam as pessoas abraçando-as, beijando-as e apertando-as até as sufocar. Esses monstros, também devoravam os olhos humanos, narizes, ponta dos dedos dos pés e das mãos e as genitálias. Existiam também na forma feminina, possuindo cabelos longos e eram muito formosas. O Ipupiara era, segundo estes cronistas, um ser "bestial, faminto, repugnante, de ferocidade primitiva e brutal".

Jean de Léry, em sua obra Viagem À Terra do Brasil, conta algo semelhante, que ele ouviu diretamente dos índios Tupinambás da Guanabara no século 16:

(...) Não quero omitir a narração que ouvi de um deles de um episódio de pesca. Disse-me ele que, estando certa vez com outros em uma de suas canoas de pau, por tempo calmo em alto mar, surgiu um grande peixe que segurou a embarcação com as garras procurando virá-la ou meter-se dentro dela. Vendo isso, continuou o selvagem, decepei-lhe a mão com uma foice e a mão caiu dentro do barco e vimos que tinha cinco dedos como a de um homem. E o monstro, excitado pela dor pôs a cabeça fora d'água e a cabeça que era de forma humana, soltou um pequeno gemido (...).

É provável que o ipupiara de Baltasar Ferreira fosse um leão-marinho, animal pouco conhecido e assustador para os índios do litoral paulista, pois raramente aparece em tais latitudes.

Mais tarde, esse ser se confundiu com a boiúna ou cobra-grande das lendas amazônicas, uma sucuri negra, gigantesca e voraz que também podia tomar forma de embarcação. Também conhecida, a partir do século XVIII, como mãe-d'água, passou a ser também imaginada como mulher.

É só no século XIX que aparece o nome enganosamente indígena de uiara ou Iara, romanticamente imaginada como uma versão tropical e indígena das janas, nixes e loreleis do folclore europeu, a arrastar os incautos para a morte nos igarapés com sua beleza ou seu canto.

Ipupiara na interpretação do artista Mello Witkowski Pinto, Jardim Botânico Plantarum (Nova Odessa-SP), terracotta 2015.

Ipupiara nos dias de hoje

A lenda do monstro marinho Ipupiara correu por todo o litoral, chegou até a Europa e muitos que aqui vinham, queriam conhecer o local onde o tal monstro aparecera. Na praça 22 de janeiro, junto a Biquinha de Anchieta (em São Vicente-SP), foi construído um pequeno lago, com algumas carpas e uma escultura da provável forma física do monstro Ipupiara.

O monumento foi inaugurado em 1999, recentemente o monumento foi alvo da campanha "Salve o Ipupiara" para protestar contra o descaso do poder público contra o folclore local, hoje em dia a praça do monumento encontra-se em reforma, o projeto de revitalização também inclui a estátua do Ipupiara, que encontrava-se totalmente degradada por causa do vandalismo e da falta de manutenção, o prazo para o término da reforma em toda a praça é de um ano, confira a reportagem abaixo (feita em 2014):



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