Museu Edgar Allan Poe completa 100 anos celebrando o mestre do macabro

quinta-feira, 17 de março de 2022

Museu Edgar Allan Poe completa 100 anos celebrando o mestre do macabro

Desde O Corvo, aclamado poema de Edgar Allan Poe, sabemos que os pássaros podem falar. Se o Jardim Encantado do Poe Museum em Richmond, que comemora seu centenário este ano, tivesse voz, também poderia dizer:

"Nunca mais", diriam os tijolos do prédio do Southern Literary Messenger, antigo escritório do escritor.

"Nunca mais", sussurraria a hera cortada do túmulo de sua mãe. "Nunca mais", entoaria a cópia do busto de Poe, antes de perguntar pela estátua original de sua cabeça. (Descanse tranquilo, Poe. Depois que a polícia recuperou o objeto roubado do bar do Raven Inn em 1987, a estátua vive com segurança e sobriedade dentro da sala de leitura do museu).

Com certeza, 100 anos não é uma eternidade, mas, para um museu dedicado a um autor americano do século 19 que percorre os mais escuros recessos da psique humana, chega perto. Desde sua abertura, em abril de 1922, a instituição no bairro de Shockoe Bottom, em Richmond, sobreviveu não apenas a guerras e crises financeiras, mas também a mudanças sísmicas nos gostos literários e no próprio ato de ler.


"O que manteve o Poe Museum funcionando por um século foi Poe. Ele nunca esteve fora de moda. Ele nunca esteve fora de catálogo", disse Chris Semtner, curador do museu que sempre insere citações de Poe na conversa. "As obras de Poe continuaram evoluindo com o tempo, então o museu continuou evoluindo, porque Poe está aqui para nós".

Antes de Poe estar lá no museu, ele estava aqui em Richmond. Sua vida cruzou com a cidade em vários pontos da trama. Depois que o pai de Poe abandonou a família e sua mãe morreu, John Allan, um rico comerciante de tabaco, e sua esposa, Frances, criaram o órfão. Entre 1835 e 1837, o aspirante a escritor trabalhou como editor e colaborador no Southern Literary Messenger, um periódico influente. Ele se casou com sua prima Virginia, então com 13 anos de idade, em Richmond. Após sua morte por tuberculose em 1847, ele planejou desposar seu primeiro amor, Sarah Elmira Royster Shelton, na mesma cidade. No entanto, em um exemplo de vida imitando a ficção macabra, ele morreu misteriosamente dez dias antes do casamento. Embora tenha dado seu último suspiro em Baltimore há quase 175 anos, seu legado ainda pulsa no coração de Richmond.

"Richmond se dedicava sobretudo à política e ao Capitólio estadual. Não havia uma cena literária de fato. Poe tentou mudar essa realidade e cultivar a literatura aqui", disse Semtner. "Ainda está acontecendo hoje, ainda fazemos parte dessa tradição".

Os fundadores do museu, um círculo de admiradores, inicialmente estabeleceram uma ode a Poe no pátio interno da Old Stone House, a estrutura residencial mais antiga da cidade (por volta de 1740). O santuário e o jardim memorial, que incorporam fragmentos de sua vida e obras, foram inspirados em seu poema To One in Paradise. "Uma ilha verde no mar, amor; uma fonte e um santuário; tudo ornado de frutas e flores", recitou Semtner numa tarde de sábado semanas atrás, enquanto estávamos no santuário ainda sonolento do longo inverno. "Isto aqui é um poema de Poe vivo, respirando".

Em homenagem ao centenário, o museu vai realizar um UnHappy Hour em 28 de abril, apresentando a banda local de horror-rock The Embalmers; uma festa à fantasia dos anos 1920 (chapéu cloche e alma aflita são os acessórios mais esperados); um coquetel com pratos temáticos. A equipe também revelará uma coleção de artefatos de Poe que Susan Jaffe Tane, uma proeminente colecionadora de Nova York, doou para a ocasião. Semtner disse que a doação de quase setenta peças ajudará o museu - que reivindica ter a maior coleção de memorabilia de Poe do mundo (aproximadamente 4 mil itens) - a preencher pequenas lacunas na história profissional e pessoal do autor, até mesmo seus períodos em Richmond.

"Aquele pequeno grupo de escritores e artistas que começou este museu em 1922, eles ficariam chocados ao ver o quanto o museu cresceu ao longo dos anos", disse Semtner. "Eles jamais poderiam imaginar que teríamos o anel de noivado de Elmira, ou que ocuparíamos quatro prédios, ou que teríamos uma presença global online, até mesmo porque eles não saberiam o que é 'online'".


Quando cheguei, o museu estava lotado de pessoas, muitas das quais se demoravam no balcão da bilheteria acariciando Pluto, o gato residente que estava cumprindo suas obrigações naquela manhã. "Sinto que Edgar é Edgar Allan Poe reencarnado", disse Maeve Jones, a diretora executiva, sobre um segundo felino, mais enigmático. Depois de dar uma coçada obrigatória atrás da orelha de Pluto, acompanhei Semtner e Jones pelo Jardim Encantado e entrei no primeiro de três prédios temáticos: infância, na Old Stone House; carreira, no Memorial Elizabeth Arnold Poe; e morte, no Edifício Norte. Numa sala desordenada perto da exibição dos objetos de infância de Poe, Semtner calçou um par de luvas e, com dedos leves, pegou um dos itens doados. "Ele está com uma expressão de cansaço", disse Semtner sobre a última fotografia tirada de Poe, um tipo de impressão baseada no daguerreótipo. "Talvez soubesse que a morte estava chegando".

Em seguida, Semtner me mostrou um elegante relógio de bolso que Poe possuía quando escreveu The Tell-Tale Heart. Embora apareça nessa história arrepiante, o relógio não ficou com o autor por muito tempo: elegante e esbanjador, Poe cedeu o item valioso ao seu alfaiate, como pagamento. "Poe não lidava bem com o dinheiro", disse Semtner. "Ele comprou uma harpa para a esposa e um piano e roupas para ele próprio. Era sua prioridade: ter uma boa aparência".

Um dos artefatos - um fragmento de seu caixão - parece ter sido arrancado da medonha imaginação de Poe. Em 1875, seu corpo foi transferido para outro terreno no cemitério Westminster, em Baltimore. O caixão quebrou no caminho, e seu corpo caiu. O item irá se juntar a uma mecha de cabelo, à sua bengala e a um par de meias já em exibição na sala da morte.

"Vir aqui é o mais próximo que você pode chegar de ver Poe em carne e osso, o mais próximo que você pode chegar de vê-lo cara a cara. Estas são as coisas que ele possuía, as coisas que ele usava, até mesmo uma parte dele", disse Semtner. "É quase uma máquina do tempo. Você pode trazer Poe para os dias de hoje, ou voltar para o tempo dele".

Eu me despedi de Semtner e Jones na lojinha de presentes, cercado por uma casa de espelhos de inúmeros Poe me espiando de camisetas, ímãs, adesivos, canecas e um blend especial de café. Voltei para o prédio da "carreira" e subi a escada da casa de sua infância até uma biblioteca aconchegante. Pluto tirava uma folga, descansando no divã. O recinto estava silencioso - sem corações pulsando, relógios tiquetaqueando nem corvos. Apenas o ranger da cadeira e o suave tremular de uma página virando.

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