Há 100 anos, Lovecraft publicava “Nyarlathotep", poema em prosa que, para muitos, estaria na origem de seus “mitos de Cthulhu”. |
Recluso e esquisitão, o americano Howard Phillips Lovecraft mudaria para sempre, com sua obra, os nossos pesadelos. Tudo começou há 100 anos, quando um obscuro fanzine de literatura fantástica publicou o seu poema em prosa “Nyarlathotep” (1920), sobre uma força maligna que vagueia pela terra manipulando seguidores. Para muitos, é a pedra de toque de seus “Mitos de Cthulhu” — um conjunto de contos repletos de criaturas assustadoras que até hoje inspiram escritores, cineastas, quadrinistas e criadores de games e RPGs.
Você pode nunca ter lido Lovecraft, mas certamente já teve contato, ainda que transversal, com suas loucuras. Do clássico filme “O enigma do outro mundo” (1982), de John Carpenter, às séries “True detective” (2015) e "Território Lovecraft" (2020), passando por best-sellers de Stephen King e Neil Gaiman, a influência do Príncipe Sombrio de Providence, como o autor era conhecido, paira sobre a cultura pop. E Hollywood segue bebendo na fonte: um de seus contos, “A cor que veio do espaço”, virou filme com Nicholas Cage lançado em janeiro nos EUA, e há rumores de que o oscarizado diretor Guillermo Del Toro vai adaptar “Nas montanhas da loucura”.
No Brasil, dois novos lançamentos da Nova Fronteira ajudam a penetrar nesse estranho universo: a coletânea “Os mitos de Cthulhu”, que reúne alguns de seus melhores contos de terror, e “H.P. Lovecraft: contra o mundo, contra a vida”, ensaio biográfico do polêmico Michel Houellebecq (publicado em 1991 na França, até então inédito aqui), que faz uma espécie de mapa da mente do mestre para entender o seu impacto no mundo contemporâneo. Para Houellebecq, o americano é um verdadeiro “gerador de sonhos”, que não para de povoar nosso imaginário.
— A internet foi fundamental na difusão do autor — diz Denílson Ricci, criador do SiteLovecraft, o maior dedicado ao escritor no Brasil — A partir de 2003, começamos a publicar traduções de contos e estudos, que não havia por aqui.
Desde o ano passado, quando a obra de Lovecraft entrou em domínio público, pulularam edições do autor. Uma delas, “H.P. Lovecraft: Os melhores contos”, da Pandorga, chegou a figurar entre os mais vendidos em 2019. Já a editora DarkSide lançou em 2017 dois volumes dedicados a Cthulhu e um livro ilustrado para jovens, “O fantástico alfabeto de Lovecraft”, em que até os monstros são fofos. Por outro lado, não há nada bonito no racismo presente em suas cartas (e alguns de seus textos), que o afastou de muitos leitores contemporâneos.
Autor de “A árvore que falava aramaico” (Zouk, 2014), que tem contos inspirados em Lovecraft, José Francisco Botelho acredita que o autor conseguiu, já em seu tempo, materializar elementos centrais dos medos contemporâneos:
— Em seus livros encontramos um tipo de horror no qual não existe catarse ou redenção. Já na época ele trazia essa noção de que a história não tem sentido, de que os assuntos humanos são governados pelo absurdo e pelo arbitrário, e de que o destino da humanidade é ser destroçada por forças que estão além da nossa compreensão. A única piedade que é concedida aos humanos é a possibilidade de enlouquecer.
Transmissão. Lovecraft, para Michel Houellebecq, se espalharia como um “vírus” entre os seus fãs. O francês acredita que há até algo “não literário” no sucesso de sua obra, capaz de atrair jogadores de RPG que nunca leram seus livros e, mesmo assim, anseiam em saber mais sobre a maneira como ele construiu seu mundo.
Máquina de sonhos. Muito antes das fanfics, a obra do americano já era um caso único na história da literatura, com vários seguidores (Lin Carter, Fred Chappell etc.) enriquecendo seus mitos após a sua morte.
Infelicidade. Lovecraft via na literatura um “antídoto contra toda as formas de realismo”, escreve Houellebecq. Após colapsos mentais na juventude, o americano passou a escrever para fugir da humanidade. Seu sucesso vem da sua visão pessimista e temerosa do mundo: “Esse universo abjeto em que o medo se escalona em círculos concêntricos até a inominável revelação, esse universo em que nosso único destino imaginável é ser esmagados e devorados, nós o reconhecemos como nosso universo mental”, continua o francês.
As marcas lovecraftianas em outros criadores
Cena do terror "O Enigma de Outro Mundo" (1982). |
Stephen King. Para o autor de best-sellers, Lovecraft é um mestre incomparável, pois soube gritar o horror “de forma lúcida”.
Neil Gaiman. O celebrado autor de HQs e escritor parodiou o autor no conto “Eu, Cthulhu”, em que o famoso monstro conta as suas origens na primeira pessoa.
Guillermo del Toro. O mexicano, vencedor do Oscar em 2017, está há mais de uma década tentando adaptar a obra de Lovecraft para o cinema.
John Carpenter. O lendário diretor tem três filmes inspirados no autor, incluindo o seu cultuado “O enigma de outro mundo” (1982).
Fonte: O Globo
Fonte: O Globo
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