Antologia organizada por Stephen King reúne contos de terror em aviões

quinta-feira, 19 de março de 2020

Antologia organizada por Stephen King reúne contos de terror em aviões


Aviões são basicamente charutos gigantes compostos de metais, plásticos e dutos por onde circulam oxigênio e toneladas de combustível. Tudo, claro, inflamável. Controlados por humanos e computadores feitos à sua imagem e semelhança — portanto, falíveis —, eles voam a quilômetros de altura, numa pressa danada.

Juntando-se a isso o serviço de bordo, dá para entender por que tanta gente sente medo de avião. Pois foi pensando nesses viajantes sensíveis que o mestre da literatura de suspense, Stephen King, e o escritor Bev Vincent organizaram “Terror a bordo”, com 17 contos em torno de situações pavorosas ocorridas durante voos (mais ou menos) comuns.

Entre clássicos e contemporâneos, King e Vincent reuniram escritores da pesada. Só para citar os mais conhecidos do público brasileiro, temos Arthur Conan Doyle, que criou Sherlock Holmes; Ray Bradbury, famoso pelo distópico “Fahrenheit 451” (de 1953), em que um governo fascista sustenta bombeiros para incinerar livros; e Ambrose Bierce, do “Dicionário do Diabo”, de 1911.

O primeiro conto, “A carga”, já é deveras incômodo. Sem piedade, Eric Michael Lewis nos conduz a um avião militar transportando 160 caixões de americanos envolvidos num suicídio coletivo na Guiana. O que haveria de ser um voo silencioso torna-se uma experiência inesquecível para os dois únicos passageiros civis, os tripulantes e, claro, o leitor. Afinal, há muitas crianças entre aqueles cadáveres, e crianças gostam de brincar, cantar, fazer baguncinhas. E o voo é longo...

Já o Conan Doyle assina “O horror das alturas”, conto publicado em 1913, quando os céus ainda eram privilégio (ou tormento) de poucos. Doyle não usa qualquer artifício do além. Pelo contrário. Ao contar a história de um piloto insanamente corajoso, ele lida com os medos e fantasias de cada um, que surgem quando passamos dos nossos limites. Muito bom.

King diz que “Pesadelo a vinte mil pés”, de Richard Matheson, é provavelmente a melhor história de medo de avião já escrita, e por isso entrou na coletânea. Quem somos nós para contestar o autor de “O Iluminado” (1977) e “Saco de ossos” (1998), entre outras dezenas de livros medonhos? É ler para crer. Depois disso, você nunca mais vai olhar tranquilamente pela janelinha.

Curioso é que Stephen King assume que não gosta de voar, mas acabou perdendo o medo. Pelo que diz, passou por perrengues bem assustadores, e eles o ensinaram a aproveitar a vida. As histórias de terror são bem assim. Quando nos afrontam com situações cotidianas e aquele toque mágico responsável pelo frio na espinha, elas nos fazem respirar aliviados porque, afinal, é tudo mentirinha. A vida é bela.

É essa certeza que nos leva a continuar a leitura, por exemplo, de “Lúcifer!”, do prolífico E. C. Tubb, e seu anel mágico, uma máquina do tempo diabólica e muito, muito, sedutora. Ray Bradbury, por sua vez, imagina um homem voador na China do ano 400, numa história tão curta quanto intrigante, que nos faz temer as próprias invenções. Joe Hill, filho de King, também faz bonito com o seu 777 em meio a um ataque nuclear em pleno território americano, o que seria muito surpreendente.

Terror a bordo — 17 histórias turbulentas

Organização: Stephen King e Bev Vincent. 
Tradução: Regiane Winarski. 
Editora: Suma. 
Páginas: 288. 
Preço: R$ 59,90.


Por: Nelson Vasconcelos
Fonte: O Globo

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