Banhistas teriam visto suposto sereio em praia de Salvador

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Banhistas teriam visto suposto sereio em praia de Salvador

Praia Pedra do Sal no bairro Itapuá em Salvador, local onde suposta criatura marinha teria aparecido fica em frente ao Hotel Catussaba.

Pense em um ser grande, com cabelos compridos suficientes para cobrir o rosto e as costas. Na parte de trás do pescoço, barbatanas. No meio do mar de Itapuã, em Salvador, a criatura afundava e depois voltava à superfície, já em outro ponto da água. Por mais de três horas, em plena terça-feira (20), o ser não identificado vinha e voltava, deixando um acentuado odor de presunto fresco e um mistério no meio do caminho para banhistas e salva-vidas. 

Não se sabe se era homem, se era peixe. Na dúvida, quem afirma ter presenciado a aparição de um fenômeno estranho na praia já decretou ao menos duas alcunhas: Homem-Peixe ou, pra quem gosta da resenha, Sereio (ou Tritão?) de Itapuã.

Pela alcunha e pela descrição, daria até para pensar que o Aquaman, herói dos quadrinhos que vive no mar e cujo filme será lançado no dia 13 de dezembro, aportou em águas soteropolitanas. Surreal ou não, há quem jure de pés juntos que encontrou alguém bem parecido com o cabeludo interpretado pelo ator Jason Mamoa. 

Começou por volta de 11h de terça. Uma turista argentina abordou dois salva-vidas que trabalhavam perto do Hotel Catussaba. Ela alertou: tinha um corpo na praia. O cadáver – humano, diga-se de passagem – estaria boiando perto da costa. Foi aí que começou a saga dos dois profissionais, que saíram em busca de um cadáver e voltaram contando ter visto um homem estranho, quase sobrenatural.

Itapuã, que significa pedra redonda na língua tupi, dá nome a um dos bairros preferidos dos moradores e turistas de Salvador.
Salva-vidas

Áudios de pelo menos quatro salva-vidas da região circulam em grupos de WhatsApp contando a mesma história: um homem cabeludo, com barbatanas, que afundava e voltava à superfície continuamente. A cena foi presenciada por cerca de 200 pessoas, entre hóspedes e funcionários do hotel, vendedores ambulantes e outros banhistas.

“Um tal de homem-peixe que está circulando na região”, anuncia uma das vozes nos áudios, tentando alertar salva-vidas e outros profissionais. Em seguida, outra voz masculina continua a história: o corpo apareceu na beira da praia – e era nítido que fosse um corpo. No entanto, a cada aproximação dos salva-vidas que tentavam resgatá-lo, o corpo sumia. Afundava de um lado, aparecia de outro. 

“Como a corrente está descendo sentido Farol de Itapuã, ele ia no sentido (Praia do) Flamengo (oposto) e voltava como se tivesse brincando com a gente. Parecia que tinha uma barbatana pequena atrás do pescoço”, narrou um.

Nunca era visto de frente – apenas com os cabelos cobrindo o rosto e as costas. “Gigante”, completa a voz. Ouça abaixo parte dos relatos.


Outro salva-vidas que acompanhou a situação disse que, da beira da praia, era possível ver quando o corpo ‘levantou’ a cabeça. Era como se fosse a cabeça de uma tartaruga, mas não era uma tartaruga. Na gravação, ele conta que, na hora, acreditou que fosse alguém vestindo uma roupa de mergulho. Numa nova subida, conseguiu avistar a cabeça e uma parte do dorso, que voltou a mergulhar. 

"Quando ele mergulhou, percebi que tinha uma pequena barbatana nas costas dele, bem colado com o pescoço, com a cabeça. Mas como eu pensei que fosse um mergulhador, imaginei que fosse um equipamento ou alguma coisa do tipo. Ainda falei com a senhora: 'não se preocupe, não, o rapaz está mergulhando e tal'", conta.

Num dos áudios, um salva-vidas chega a afirmar que um helicóptero do Graer foi acionado para auxiliar nas buscas. Em nota, no entanto, o departamento de comunicação da Polícia Militar nega a situação. "O Grupamento Aéreo da PM [Graer] não foi acionado para atender a ocorrência dessa natureza", diz comunicado.

Banhistas garantem que tartarugas de aparência sinistra acompanhavam suposta criatura marinha sobrenatural.

Morto ou vivo

Em seguida, o corpo se afasta mais. No meio do percurso, foi possível ver mais do corpo. No áudio, o salva-vidas afirma ter avistado até o quadril do homem. Era um cara enorme, descreve. Mesmo com muito cabelo, a parte de cima da cabeça era careca. Naquele momento, teve certeza de que era um corpo.

Ele conta que entrou correndo na água, sendo seguido por mais um colega. Já no mar, o corpo aparecia e sumia várias vezes. Não tinha dúvidas: era um cadáver. Mas só aparecia de costas, com o cabelo cobrindo o rosto, mas a poucos metros de distância. Nunca dava para ver os pés.

Começou a fazer contas: com a maré tão forte, se fosse mesmo um cadáver, já era para estar sendo levado em direção ao Farol de Itapuã – não o contrário. “Mas esse cara ficou. Sei lá o que foi, irmão, uma parada que nunca presenciei em minha vida. Eu não sou supersticioso, só acredito vendo. E ontem eu vi”, narra. 

Perto do corpo não identificado, ele afirma ter visto uma tartaruga gigante. O bicho tinha uma cabeça “enorme, pretona”. No áudio, ele reforça: a tartaruga não era o cara. Quando o homem parecia finalmente vir em sua direção, a cerca de 10 metros de distância, ele começou a sentir um cheiro podre, de presunto fresco.
“Nunca tive medo para fazer salvamento nenhum. Nunca hesitei por sensação de medo. Mas ontem eu tive essa sensação. A gente tinha a sensação de que estava sendo monitorado, observado por alguém. Vai entrar aí para as lendas, porque quem não viu não vai acreditar (...). Isso aconteceu mesmo. Foi uma coisa sobrenatural, irmão”,completa o salva-vidas, que diz trabalhar na área há 13 anos.
O jornal conversou com um dos salva-vidas que presenciou a aparição. Ele confirmou ter gravado o áudio e que a situação aconteceu, mas não quis se identificar, nem dar entrevista.

Vista aérea do Farol de Itapuã, que é possível ser avistado da Praia Pedra do Sal, onde misteriosa criatura marinha teria aparecido.

Banhistas assustados
Funcionária do Hotel Catussaba, a professora Ana Paula Ramos, 36, foi uma das pessoas que presenciou a jornada dos salva-vidas e a aparição na praia. Ela participava de uma atividade de entretenimento na piscina do hotel, quando uma hóspede viu o que parecia ser um corpo se afogando. Nesse momento, todos que estavam no local foram para a areia tentar ajudar a orientar os salva-vidas. 

Segundo ela, mais de 100 pessoas estavam na areia.
“O mar estava agitado e a gente estava preocupada em ajudar. Por isso, ninguém filmou, nem tirou foto, mas todo mundo viu”,destaca.
No início, ela chegou a pensar que era alguém praticando caça submarina.Só que, numa das “subidas” do ser não identificado, ela avistou o que realmente parecia ser um corpo. Em um dado momento, o corpo levantou – quase como se uma pessoa fizesse o movimento para deixar o mar, mas de costas para a areia. Pela aparência, ela via um homem de pele escura. 
“Não vi o rosto, mas de onde eu estava realmente estava na dúvida para enxergar se era cabelo ou (se estava coberto por) algas. Rapaz, todo mundo ficou pasmo. Porque não era só uma pessoa. Todo mundo estava vendo, por isso todo mundo estava preocupado de alguém estar se afogando”. 
Como a correnteza puxava para o lado, ela também descartou a hipótese de tratar de um cadáver. Se fosse, porém, certamente seria levado na direção da correnteza. Ela também diz ter visto uma tartaruga perto do corpo, em algum momento. O animal passou pelo corpo, colocou a cabeça para fora da água e depois sumiu. “Eu sei identificar a tartaruga porque também mergulho. Aqui no hotel, todo mundo está impressionado. Todo mundo viu, mas ninguém sabe o que é”. 

O jovem Ícaro Silva, 23, é outro que ainda não acredita no que viu. Surfista e vendedor de bebidas na praia, ele se preparava para cair no mar quando percebeu que um dos salva-vidas e duas mulheres tentavam avistar um corpo no mar. Diante da possibilidade de alguém ter se afogado, desistiu de procurar o melhor lugar para partir para as ondas e começou a prestar atenção no diálogo. 

Foi quando o ser apareceu, perto da bancada de corais usada pelos surfistas. Era homem, com a água cobrindo o corpo da cintura para baixo. Ícaro também diz não ter dúvidas que percebeu uma barbatana entre o pescoço e as costas da pessoa. 
“Até então, achamos que era um mergulhador, qualquer coisa desse tipo. Mas ele tinha uma barbatana que se movimentava muito rápido. Quando o salva-vidas ia para cima para pegar, ele sumia”, contou, ao CORREIO. 
De repente, o jovem, acostumado a encontrar tartarugas, golfinhos e cações, percebeu que nunca tinha visto nada daquele jeito. Passou a mão nos olhos, jogou água no rosto. Quando abriu novamente, continuava vendo a mesma cena. Disse a si: era aquilo mesmo.
“Eu só acredito vendo e, do jeito que eu vi, era parecido com Netuno, aquele jeito das costas. Não tem explicação. Ele nadava contra a corrente, brincando mesmo com os salva-vidas”, lembra, citando o deus romano do mar.
Assim como os salva-vidas, Ícaro diz ter visto um homem cabeludo, com uma careca no topo da cabeça. Tinha a pele bronzeada – e as barbatanas eram da mesma cor da cútis. Foi um homem capaz de mudar até mesmo o clima no mar. Antes dessa confusão, a maré estava calma.
“Quando esse negócio começou a acontecer, parecia que ele fazia um redemoinho por baixo da água. Quando ele subia, dava para ver bem. O rosto nunca virava, foi o que me deixou intrigado”, completou o surfista.
Na terça-feira, sentiu tanto medo que não entrou no mar. Só voltou para surfar nesta quinta-feira (22). A vibe, garantiu, já era outra.

Nos contos folclóricos tartarugas costumam acompanhar divindades marinhas, como nessa estátua de Netuno em Virgínia nos EUA, considerado o deus do mar na mitologia romana.

Tartarugas
Coordenador da Salvamar, João Luiz Morais, porém, minimiza a aparição. Segundo ele, tratava-se de um grupo de tartarugas. Ele conta que, na terça-feira, por volta de 15h, o Salvamar foi informado de duas situações: além dos salva-vidas, um banhista ligou para o serviço afirmando ter visto um corpo boiando perto do Farol de Itapuã.

Para ele, a aparição de um ‘homem-peixe’ é fake (falsa). Um grupo de mergulho do Salvamar chegou a procurar pelo corpo na região do farol, mas não encontrou nada humano.
“O que o grupo de mergulho viu foi tartarugas. Tinha umas duas tartarugas juntas, bastante grandes, de um metro e meio. Nessa época, tem muitas. Dá muita sardinha e elas ficam perto da costa”, explica.
Ele também questiona o fato de que ninguém teria filmado a situação. Para João Luiz, trata-se de uma invenção. “Isso é realmente absurdo, coisa de ficção, monstro marinho. Às vezes, a pessoa está na praia e vê um vulto, saco plástico. Acontece. É aquele telefone sem fio: um diz uma coisa e todo mundo vai copiando”. 

De fato, é comum que grandes tartarugas transitem na área das praias de Itapuã. De acordo com o biólogo do Projeto Tamar Alexsandro Santos, a tartaruga verde costuma se alimentar na região. Além disso, nessa época do ano, as tartarugas cabeçuda e de pente costumam desovar ali. Esses animais podem chegar a 1m e 1,10 m só de casco.

“A gente estava conversando que poderia ser uma tartaruga boiando para poder desovar ou duas tartarugas adultas copulando. Quando você vê as duas copulando, vai ver que uma afunda e a outra sobe do outro lado. Você acha que é a mesma, fica parecendo maior. Mas só daria para saber mesmo se tivesse algum vídeo”, pondera. Tanto a tartaruga de pente quanto a tartaruga cabeçuda podem copular na área.

Relatos se assemelham com criatura do folclore brasileiro conhecida como Nego D'Água.

Lendas e mais lendas

Mas, antes que pareça que o ser misterioso é pioneiro em provocar rebuliço em águas soteropolitanas, é preciso esclarecer que há quem diga que existem seres sobrenaturais por lá há muito mais tempo.

Na verdade, os primeiros relatos são tão antigos que Salvador sequer existia enquanto cidade. No século XVI, os portugueses já ouviram, dos índios que aqui moravam, a lenda de Somé (ou ‘Zomé’). Os jesuítas foram os primeiros a documentar isso, lá pelo ano de 1549.
“A lenda de Somé tem a ver com a religião católica, porque aparece um personagem que anda pelas águas. Elas acabam se abrindo e ele consegue andar pelo meio delas. O Somé acabou se tornando uma corruptela de São Tomé”, explica o jornalista e pesquisador Nelson Cadena.
Em Salvador, Somé teria andado do local onde hoje é o bairro de São Tomé de Paripe até Itapuã, deixando pegadas em pedras. Ele é, inclusive, a razão do bairro ter, hoje, o nome que tem.

No entanto, esse tipo de história – aparições que andam pelo mar – são comuns em outros países e em muitas religiões primitivas. Há relatos semelhantes no México e na Colômbia, por exemplo.

A própria Itapuã, por sua vez, é dona de mais histórias e lendas. A Lagoa do Abaeté é um dos locais que teria surgido a partir de forças sobrenaturais. A história conta que uma índia foi abandonada no dia do casamento. Após uma traição, ela se rebelou e jogou seu véu para cima – o tecido branco se transformou nas dunas. As lágrimas, por sua vez, teriam formado as águas escuras da lagoa.

Segundo Cadena, o bairro de Itapuã sempre foi um local onde existiu uma grande nação de baleias, inclusive com a produção de óleo de baleia para exportação. “Ou seja, aquela área sempre teve animais grandes e, por isso, até hoje tem uma tradição de baleias”, explica. Para biólogos, o fenômeno da última terça pode ter sido duas tartarugas - com mais de 1 metro de casco - copulando na região. Já que, nessa época do ano, tartarugas das espécies cabeçuda e de pente costumam circular ali. 

Com o sucesso da história nos jornais, houve quem desse seus próprios testemunhos sobre o ocorrido. O CORREIO esteve na Praia do Farol de Itapuã e conversou com um grupo de trabalhadores das barracas do local. A praia exata em que o fato teria ocorrido foi Ponta da Pedra de Sal, atrás do Catussaba Resort. (Veja abaixo o relato oficial)
“Esse daí é o nego-d’água. Eu vi. O salva-vidas me chamou para ver na hora e eu avistei. Ele era negro, apareceu, a gente foi atrás e ele disse que estava bem e que não queria ajuda”, contou um homem.
O “negro d'água” é uma lenda dos rios brasileiros. As características dele até que batem com a descrição do surfista: ele seria a fusão de um homem negro alto e forte com um anfíbio e teria nadadeiras e corpo coberto de escamas mistas com a pele. No rio, a criatura aparece para pescadores e ribeirinhos. Na lenda, ele derruba a canoa dos pescadores que se recusem a dar um peixe a ele.

“Esse nego-d’água já apareceu aqui há mais de dez anos do mesmo jeito. Aparecia, mergulhava e voltava”, disse um garçom que trabalha na Praia do Farol há mais de 30 anos.

Ilustração feita por Morgana Miranda para o Jornal Correio.

Relato

Mas, para aqueles que viram a “criatura” com seus próprios olhos, o que aconteceu não tem nada de lenda e fábula. O sucesso da história e a repercussão como algo fantasioso não alegrou os que estavam na praia e vivenciaram tudo. “A história foi parar na Califórnia e tem até uma galera atrelando o fato à uso de drogas. Isso é irresponsável”, contou uma das pessoas presentes no momento na praia da Pedra do Sal.

Um surfista que auxiliou na tentativa de salvamento do que - em uma primeira avaliação - foi considerado como um cadáver, conversou com o CORREIO e contou maiores detalhes sobre o acontecido. Ele disse que recebeu informações de mergulhadores da Rua K, também em Itapuã, de que uma criatura com as mesmas descrições também teria aparecido no local.
“Uma turista me chamou e disse que tinha um corpo na areia. No início, dava impressão de um afogamento. Quando eu cheguei mais próximo, parecia uma roupa de borracha. A gente só conseguia ver a cabeça para fora da água. Isso a uns 7 metros da areia”, contou.
O surfista disse que achou que se tratava de um mergulhador por ter avistado a roupa de borracha e uma protuberância nas costas - que parecia uma roupa de mergulho. “Depois que eu vi que poderia ser uma barbatana. Ele era grande. Muito largo e forte. Tinha o cabelo grande, mas em cima era careca. Pouco depois que eu me aproximei, ele mergulhou”, relatou.

Após ter submergido, a criatura teria voltado à superfície mais à esquerda da costa - o que, segundo o surfista, vai contrário à corrente no local, que puxa para o Farol de Itapuã. “Os hóspedes do hotel nos ajudaram. Nessa altura, eles já tinham se aglomerado para ver tudo. Eles apontavam para onde viam a criatura”, disse. 

Além das características físicas excêntricas, a criatura também promovia uma reação no mar nunca vista anteriormente pelo surfista. “Ele tinha meio que um campo energético em torno dele. Era uma corrente em formato de espiral que levantava a areia de onde ele passava, então ficava tudo marrom. Tinham duas tartarugas em torno dele também. Uma bem grande e uma menor”, relatou.

Depois de mais de três horas de tentativa de 'salvamento', eles desistiram. Chegaram a chamar três técnicos da Salvamar, mas dois deles avaliaram como se tivesse apenas a tartaruga. “Só um deles viu a criatura”, lamentou.

Um barraqueiro, que preferiu não se identificar, contou a mesma história ao CORREIO. A versão foi confirmada por um vendedor de queijo coalho, que também não quis se identificar.
“Ele subia e descia. A maré ficava agitada e o mar se mexia com ele, parecia até o Netuno”, disse.
Monumento Sereia de Itapuã prova que lendas de criaturas marinhas são comuns na região.

Fonte: Jornal Correio

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