La Ursa, uma experiência aterrorizante no Carnaval pernambucano

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

La Ursa, uma experiência aterrorizante no Carnaval pernambucano


Com a proximidade do Carnaval, me lembrei mais uma vez desta história que aconteceu há muitos anos, quando eu tinha por volta de 9 ou 10 anos de idade, e que até hoje mexe com o imaginário da nossa família. Sou de uma família numerosa, mais de 10 primos em primeiro grau, isso apenas dentro da mesma faixa etária, que hoje gira entre os 25 e 30 anos. Na época do que vou narrar, éramos todos "pirralhos", e estávamos passando o feriado de carnaval na casa de praia de nossos avós.

As crianças da família eram muito conhecidas na vizinhança, que era tranquila e segura. Passávamos o dia na praia e a noite em frente à casa ou passeando pelas ruazinhas próximas, que tinham casas de moradores e outros veranistas. Quem já foi ou tem casa de veraneio numa praia tranquila conhece bem o que são aquelas ruazinhas secundárias, um sossego só.

Numa das noites de carnaval, decidimos improvisar uma "La Ursa" pela vizinhança. Para quem não conhece, a La Ursa é um folguedo de carnaval em que uma pessoa, fantasiada de urso (uma máscara e uns trapos no corpo) vai batendo numa lata pela rua, entoando: "-A La Ursa quer dinheiro, quem não der é pirangueiro! (Muquirana em "nordestinês"), e as pessoas que cruzarem vão colocando moedas dentro da lata. Nossa ideia era conseguir uns trocadinhos pra torrar de picolé e bala depois.

O maior entre nós vestiu uma fantasia improvisada, sem máscara, só com uns molambos enfiados dentro da bermuda e da camiseta, pendendo para fora, e fomos todos para a rua, umas 5 ou 6 crianças (as maiorzinhas). Depois de meia hora de batucada, fizemos uma parcial do apurado e concluímos que já dava pra comprar alguma besteira para comer. Decidimos voltar para casa, parando no caminho, na vendinha, para comprar. As ruas eram de terra batida, e pouco iluminadas, mas não tínhamos medo, pois estávamos muito acostumados a perambular por ali.

Depois de uma esquina, em que entramos num trecho sem nenhum movimento da rua mais comprida que tínhamos que passar, vimos a uns 20 passos à nossa frente uma figura vestida de trapos cinzentos que iam até o chão, bem encurvada, andando devagar: "-Olha", falou nosso primo mais velho, o que estava fantasiado de La Ursa, "outra La Ursa, vamos lá tirar uma onda com ela!" Meu sexto sentido alertou, aquela pessoa não parecia ninguém fantasiado de La Ursa, o andar era muito lento e arrastado e não tinha nenhuma "vibração" de carnaval ao redor dela. Pelo contrário, eu senti foi um mal-estar, um medo muito grande. Meu primo se adiantou, minha outra prima também, e eu um pouco atrás, sem querer ir mas também sem querer que ninguém achasse que eu era medrosa. Os outros primos, menores, ficaram atrás. Meu primo tocou na "pessoa", cantando a musiquinha da La Ursa para ela, mas a "pessoa" se virou bruscamente e vimos um rosto Horrível apavorante, que não dava nem pra saber se era homem ou mulher, uma coisa velha, encarquilhada, sem sexo nem idade. Uns olhos que davam a impressão de ser amarelos, uma fisionomia que chegava a parecer não humana. Não era um simples mendigo ou mendiga, nem uma pessoa com alguma doença ou deformidade. Era muito além e pior do que isso, algo que realmente, parecida de outro mundo, nem sei descrever. E gritou, numa voz tão horrorosa que eu também não sei descrever, meio rouca, meio rachada e meio aguda ao mesmo tempo (lembro até hoje daquela voz e me arrepio): "O que é? Vão embora! Me deixem ou levarei vocês!".

Vocês não têm noção do medo que eu senti! O conjunto do aspecto da "pessoa" com a voz rouca, e a forma como aquele encontro nos pegou desprevenidos, pois íamos animados, brincando e rindo, com a cabeça muito longe de qualquer temor. Saímos na maior carreira do mundo em direção à nossa casa. Segundos depois, meu primo berrou, ainda correndo: "cadê?, aonde?" Ele tinha olhado para trás para ver se a coisa estava nos seguindo, mas não tinha mais ninguém. Ela tinha sumido. A rua não tinha plantas, árvores ou nenhum outro lugar onde ela pudesse ter se escondido. Os muros das casas eram altos e estava tudo fechado, só bem lá na frente da rua (era uma rua bem comprida), do lado oposto ao de onde vínhamos, tinha um pessoal com umas cadeiras na calçada, bebendo e conversando. Foi por ali que paramos pra tomar fôlego, e o pessoal disse: "Meninos, que foi que houve, porque vocês deram essa carreira pela rua?" E a gente, atropelando as palavras uns dos outros: "Foi a véia!"; "Não, era um véio!", "Não era nem véio e nem véia, era um monstro!", "Vocês não viram?" O pessoal ficou rindo da gente, dizendo que não tinham visto ninguém, só a gente correndo, mas que também não estavam prestando atenção, e que com certeza o que a gente tinha visto era alguém tão bem fantasiado que enganou a gente direitinho.

Quando chegamos em casa, não contamos a ninguém, nem a nossos pais nem a mais ninguém. Um pouco mais tarde, porém, estávamos no muro conversando sobre o assunto quando a vizinha chegou para dar bolo pra gente e ouviu pela metade o que estávamos conversando. Aí ela falou: "-Vocês viram isso que estão dizendo na rua ali embaixo, não foi? Perto da casa de dona fulana?" "Foi", a gente disse. "Eu já vi também. Não pensem mais nisso não. Esqueçam." A gente ficou insistindo, pedindo pra ela dizer mais alguma coisa, mas ela não disse, saiu logo de perto de nós com alguma desculpa que eu não lembro mais.

Ainda hoje, uns 20 anos depois, eu continuo afirmando que o que a gente viu não era humano, nem estava fantasiado, nem a gente imaginou ou exagerou aquilo com fantasias de criança. Era alguém ou alguma coisa que a gente não sabe o que era, nem de onde veio, nem para onde foi, nem porque estava ali. Sabemos ainda muito menos para onde aquilo nos levaria, como prometeu, se a gente não o deixasse em paz. Dia desses eu conversava com minha prima que estava comigo naquele dia e perguntei se ela lembrava da história. Ela disse que infelizmente sim (a lembrança dela era idêntica à minha em todos os detalhes), que até hoje lembra de vez em quando e morre de medo, e que tem certeza, como eu, que o que a gente viu naquele carnaval não era desse mundo.

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