Eles vêm do mato, são verdes, não trazem presentes e ainda perseguem as criancinhas no Natal. Alguns têm chifres, outros apenas folhas secas e barbas de velho. Todos têm um objetivo em comum: cobrar o bom comportamento das crianças.
Segundo a lenda, o Pelznickel (pelz, em alemão, é pelagem e Nickel, o diminutivo de Nicolau) aparece somente em dois momentos do ano: no dia de São Nicolau, em 6 de dezembro, e na véspera do Natal, dia 24. No restante do ano, ele mora na floresta, no meio do matagal.
O Pelznickel é uma tradição alemã de Natal que é preservada no município de Guabiruba há mais de 180 anos.
Em Guabiruba- SC, agora conhecida como Terra do Pelznickel, as ruas ficam cheias para acompanhar a passagem das criaturas, com muitos pais com os filhos nos braços e no ar, um clima de suspense. Até que, de repente, os monstros surgem do nada correndo atrás dos pequenos com cordas e correntes nas mãos e fazendo muito barulho.
Transformados em monstros, pais assustam os próprios filhos que saem correndo após os verem com a fantasia completa. Na roupa, há adaptações para combater o calor do verão brasileiro, com um canudo com água que fica colado à máscara para refrescar o corpo durante o desfile. No passeio, a maioria das crianças foge. Até os bonzinhos e comportados têm medo. Mas alguns exibem uma impressionante coragem.
– Não tenho medo, não tenho medo – gritam (e garantem) alguns pequenos.
Com a cartinha e a lista de presentes nas mãos, Olívia Kohler, de quatro anos, aguardava a chegada do Pelznickel com um pouco de medo e uma dose de curiosidade. Ela se escondeu atrás da avó quando um dos monstros chegou perto, mas entregou a ele a cartinha endereçada ao Papai Noel.
O pai de Olívia, Arisson Sérgio Kohler, 32 anos, garante ao Pelznickel que pegou a cartinha da filha que ela é obediente e que até ajuda a cuidar do irmão mais novo.
– Ela estava ansiosa com a chegada do Pelznickel e ainda funciona dizer que ele vai pegá-la, caso não se comporte – revela o pai, que também passou muito medo na infância com a tradição.
Assim como seus pais e avós faziam, as crianças ainda entregam as chupetas antes do Natal para o Pelznickel com receio de não receber o presente do Papai Noel. No chifre de um dos monstros, vários bicos adornam a fantasia: uma conquista mostrada com orgulho e como um troféu pelo ser mitológico.
Em alguns países de língua germânica o tal "monstro" é um personagem que se assemelha ao diabo ou a um bicho muito feio e peludo, com garras e chifres enormes, que acompanha o Papai Noel (Weihnachtsmann) ou o São Nicolau (Heilige Nikolaus) na entrega dos presentes. Enquanto que um distribui os presentes às crianças que se comportaram durante o ano, o outro leva embora as mal-criadas para longe de seus pais - para sempre!
Na Alemanha, Hungria, Liechtenstein, Eslovênia, Áustria, sul do Tirol, Suíça, Eslováquia, República Tcheca e Luxemburgo o personagem é conhecido como Krampus e, regionalmente, Pelznickel. Nos municípios colonizados por imigrantes teutos no sul do Brasil o personagem do Pelznickel é mais presente.
No município de Guabiruba/SC foi fundada em 2005 uma sociedade que tem como objetivo preservar a tradição do Pelznickel, trazida há quase 200 anos pelos imigrantes germânicos.
Com a ajuda da Sociedade do Pelznickel, a cidade de Guabiruba prepara a entrega dos presentes e, ao mesmo tempo, "ameaça" com a chegada do Pelznickel. Muitas crianças se escondem; outras gritam "Não tenho medo!", e quando o personagem aparece, a diversão começa.
Em algumas famílias, pais, irmãos e tios se fantasiam de Pelznickel para assustar as crianças, mas tudo não passa de uma brincadeira. No final, todas ganham seus presentes.
Diversas cidades catarinenses foram invadidas pelas criaturas
Cidades catarinenses como Pomerode, Brusque, Rodeio, Indaial, entre outras, também já receberam eventos natalinos com o Pelznicke.
A Fundação Cultural de Brusque-SC, por exemplo, está incentivando a criação de grupos de Pelznickels no município. A ideia partiu do historiador Álisson Castro, que integrou a Sociedade do Pelznickel, de Guabiruba, e agora, pretende fomentar o personagem em Brusque.
“A ideia é fomentar o Pelznickel nos bairros, que cada grupo seja autônomo, não esteja ligado a um único grupo grande. Não dá para desvirtuar, o objetivo é trazer um Natal mágico para as crianças e que elas possam refletir um pouquinho sobre seu comportamento”.
De acordo com ele, muitas pessoas assistem aos desfiles e ficam interessadas no personagem, gostariam de participar também, mas não sabem como começar. “Uma das ideias é que a Fundação Cultural forneça esse contato e que explique sobre o personagem, qual o verdadeiro intuito, ensine a confeccionar as roupas e, assim, cada um fazer em sua comunidade”, destaca.
Castro é morador do bairro Santa Terezinha e já começou a encarnar o personagem nas ruas do bairro. “Eu acho que quanto mais tiver nos bairros, sem uma ideia de centralização, melhor. Cada um faz na sua comunidade”, destaca.
O historiador ressalta que há 40, 50 anos, essa prática acontecia no bairro Santa Terezinha. “Eram poucas as residências, então todo mundo se conhecia, a pessoa que normalmente encenava o Pelznickel normalmente sabia quem era a criança mal comportada, estava inserido em uma atmosfera de comunidade. Esse é o objetivo desse chamado”, diz.
Para ele, a personagem tem um caráter pedagógico. “Fazer a criança abandonar seus vícios, que possa respeitar mais os adultos, reforçar o vínculo entre o adulto e a criança. Essa prática acabou sendo espetacularizada, e o principal objetivo é despertar uma reflexão da criança sobre seus atos”.
Castro ressalta que a intenção é fazer uma releitura do personagem, principalmente, com relação à vestimenta. “Temos que ter a preocupação ambiental, então se há 150 anos era normal pegar barba de velho, gamiova, hoje temos que entender o nosso momento. A ideia é mudar um pouco a característica, usar trapos, considerando que somos o Berço da Fiação Catarinense, temos a possibilidade de criar com outros materiais”.
Durante muitos anos, Luiz Heil, de 65 anos, foi morador do bairro Santa Terezinha. Hoje, ele mora em Barra Velha, Litoral norte de Santa Catarina, mas lembra com carinho da época que andava pelas ruas do bairro brusquense vestido de Pelznickel.
Seu Luiz seguia a tradição de seus antepassados e, foi observando um primo, que ele decidiu encarnar o personagem. O Pelznickel dele, no entanto, era um tanto quanto diferente dos personagens que hoje são famosos em Guabiruba.
“O Pelznickel é o contrário do Papai Noel. Eu botava uma roupa velha, paletó e calça do avesso, cinta, um facão de madeira, vara de marmelo e o sino para chamar a atenção. A máscara era feita com um pacote de trigo, onde eu colava a barba de velho e colocava chifre”, diz.
Com essa caracterização, ele saía pelas ruas do bairro cobrando obediência das crianças. “Eu fazia a entrega dos presentes na árvore de Natal, fazia as crianças rezarem, e se o pai dizia que a criança foi mal criada e pedia pra eu dar uma varada, eu fazia. Muitas vezes, as crianças se escondiam debaixo da cama, dentro do guarda roupa e eu tirava elas do esconderijo e dava uma varada simbólica”, conta.
Já se a criança teve um bom comportamento durante o ano, o Pelznickel era bonzinho. “Eu tinha que ter responsabilidade. Se a criança era boazinha, eu tinha que falar coisas bonitas, incentivar, para que ela continuasse assim. Se ela foi ruim, eu tinha que ser bravo”.
Ele lembra que em uma de suas andanças, chegou a mandar uma criança para o hospital. “A criança começou a xingar minha mãe e a querer a puxar minha máscara, tive que reagir, quanto mais apanhava, mais malvado ele era”.
Seu Luiz afirma ser o único que fazia o personagem no bairro. Ele recorda que se vestiu de Pelznickel até a década de 1970, depois disso, passou a ser Papai Noel. “Assustava muito as crianças, então quando meus filhos nasceram, comecei a ser Papai Noel e também já estava perigoso andar assim nas ruas, levava muita pedrada, as crianças não respeitavam mais”.
Apesar de tudo, ele sente muita saudade da época que encarnava o personagem. “Eu faria tudo de novo, tenho saudade. Lembro que muitas vezes a criança tinha um comportamento ruim, o Pelznickel brigava e, no outro ano, ela se comportava bem. Isso era muito bom”.
Quem também tem lembranças do Pelznickel em Brusque é Valdir Panca, de 70 anos. Ele cresceu com o seu pai, Nicanor Panca, como o personagem no Natal. “Naquela época, na década de 1950, ele se vestia de ‘Pencinique’, mas era diferente do que conhecemos hoje. Ele vestia uma roupa vermelha ou xadrez, vinha com uma sinetinha e usava máscara com barba de algodão. Era o que hoje conhecemos como Papai Noel, mas chamávamos de ‘Pencinique’”.
Sua família morava próximo ao Mont Serrat e recorda que o seu pai, no dia 24 de dezembro, visitava a casa dos vizinhos como o personagem para entregar os presentes. “Nós enfeitávamos a árvore e, de repente, o pai sumia e logo o ‘Pencinique’ aparecia com os presentes”, lembra.
De acordo com o historiador, esse ritual veio junto com os imigrantes provenientes da região de Baden, na Alemanha. Por muito tempo, o personagem era a referência que os brusquenses tinham do Natal.
No entanto, a partir da década de 1960, o Papai Noel chega a Brusque, junto com as grandes lojas de departamentos. O personagem vermelho chega na cidade com força e, em meados da década de 1970, muitos brusquenses já se caracterizavam assim. “De início, o Papai Noel era considerado exótico, tal qual o Pelznickel é hoje. O pessoal estranhava porque ele não castigava, não batia, era só bonzinho. Depois da década de 1970, com a televisão, essa personagem acabou adentrando no imaginário popular e, com o crescimento da cidade, acabou se popularizando a ponto do Pelznickel ser deixado de lado”.
Álisson Castro decidiu retomar o costume em Brusque-SC. |
Tradição chegou a Blumenau-SC para o Natal 2016
A organização do evento Magia de Natal, de Blumenau, anunciou que a partir deste ano irá incluir o Pelznickel entre as atrações da programação. O Papai Noel do Mato ficou famoso em Santa Catarina após a criação da Sociedade do Pelznickel, que difunde a tradição em Guabiruba. Embora a inclusão do Pelznickel signifique a sua popularização, o fato é visto com ressalva por quem preserva o costume.
O Magia de Natal é um evento tradicional no fim de ano em Blumenau, que ocorre entre novembro e dezembro. Vários turistas de diversas cidades e até de fora do país passam pela Vila Germânica para ver as atrações.
Luiz Koerich, diretor de eventos e operações do Parque Vila Germânica, afirma que a organização sentiu a necessidade de buscar novas atrações para este ano. Foi realizada, então, uma reunião, na qual surgiu a ideia do Pelznickel, o Papai Noel do Mato, que era muito popular na Alemanha há muito tempo.
Segundo Koerich, foi feita uma pesquisa que indicou que o Pelznickel é muito popular em Guabiruba. A organização resolveu, então, adotar a tradição, “importando-a” do outro município.
Fora da edição do ano passado do Magia de Natal, o famoso passeio de trenzinho retorna à programação com uma novidade: a aparição durante o trajeto do Pelznickel (Papai Noel do Mato), uma versão selvagem e mais rude do bom velhinho, já tradicional em Guabiruba, que pretende assustar crianças que não se comportam.
A notícia de que Blumenau passará a contar com o Pelznickel circulou rápido e chegou à Sociedade do Pelznickel, entidade de Guabiruba dedicada à preservar a tradição. O vice-presidente Fabiano Siegel afirma que a principal diferença é que eles fazem tudo por amor, não pelo dinheiro.
“As outras pessoas fazem pelo lado econômico, não pela tradição”, comenta.
Costume mantido em Guabiruba-SC, "Papai Noel do Mato" fará aparição durante o percurso do tradicional passeio de trenzinho do Natal de Blumenau-SC.
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Fontes: Município Mais e Diário Catarinense
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