O Quibungo é uma espécie de Bicho-Papão negro, um visitante africano inesperado que acabou por se domiciliar na Bahia, onde passou a fazer parte do folclore local. Trata-se de uma variação do Tutu e da Cuca, cuja principal função era disciplinar, pelo medo, as crianças rebeldes e relutantes em dormir cedo.
A Criatura
Quibungo é metade homem e metade animal, tem uma cabeça grande e uma boca enorme em suas costas, por onde engole as crianças desobedientes. Não possui grande inteligência ou esperteza e pode ser morto por qualquer tipo de arma. Quando atacado, se assusta e grita apavorado.
Origens da Lenda
É uma figura da literatura oral afro-brasileira, com sua bestial voracidade, sua imensa feiura, brutalidade e inexistente finalidade moral. Em quase todos os contos em que aparece o Quibungo há versos para cantar. Esse detalhe lembra as estórias contadas, declamadas e cantadas que ainda hoje podemos ouvir na África equatorial, setentrional e na China, ao ar livre, para um auditório sempre renovado das ruas e praças. É o famoso teatro dos bonecos ou marionetes, onde personagens encenam dramas épicos ou outros de finalidades morais e educativas, retratando sempre de uma forma lúdica e didática os problemas das comunidades.
Em Alger ou Xangai, e mesmo nos países nórdicos, vivem ainda hoje estes artistas de rua, descendentes indiretos dos Mímicos da antiga Roma nos tempos do império. O Quibungo é um forte aliado dentro dessa literatura onde não existem limites para a imaginação.
No Congo e Angola, Quibungo significa "Lobo". Entre os povos da costa ocidental da África, existiam as hordas de salteadores vindos de outras regiões e que comumente invadiam povoados e aldeias, saqueando tudo; se apossando de mulheres, crianças e demais pertences, e escravizando os homens e os velhos. A este tipo de agressão praticadas pelos grupos invasores eles chamavam de Cumbundo, e a cada indivíduo que faz parte do grupo, Quimbungo que pode ser interpretado como "invasor" ou"invadir", ou "aquele que vem de fora sem ser esperado ou convidado".
De tal sentimento de pavor que sentiam, inspirados pelo Quimbungoinvasor, associados à ideia e ao terror próprios do Chibungo, como eram chamados pelos povos negros o Lobo animal, nasceu evidentemente na imaginação popular a concepção dessa entidade estranha - O Kibungo. Os povos Bantus se encarregaram de transmitir às nossas populações do norte e nelas persiste, mesmo após o desaparecimento dos povos em que teve origem.
Desse modo, o Quibungo baiano é ao mesmo tempo homem e animal. Espécie de lobo ou velho negro maltrapilho e faminto, sujo e esfarrapado, um verdadeiro fantasma residente nos maiores temores infantis.
Não nos é possível determinar se nas estórias africanas o Quibungoconserva a forma e os hábitos do seu similar baiano. O Quibungo africano não tem um ciclo temático igual ao brasileiro. Aqui ele assumiu o mesmo papel já atribuídos ao Tutu-Marambá, ao Bicho-preto, ao Macaco-saruê, ao Bicho-cumunjarim, ao Dom Maracujá e ao próprio Zumbi que muitas vezes é sinônimo de Saci-Pererê. Do africano herdou a boca vertical, do nariz ao umbigo ou no dorso, assim como já é o nosso Mapinguari. Na Bahia o Quibungo reina e governa em sua missão de assombro aos pequenos.
Assim, o Quibungo baiano é só baiano, não existe em outros lugares do Brasil. É um bicho meio homem, meio animal, tendo uma cabeça muito grande e também um buraco no meio das costas, que se abre quando ele abaixa a cabeça e se fecha quando levanta. Engole as crianças abaixando a cabeça, abrindo o buraco e jogando-as para dentro. É também um feiticeiro, demônio, lobisomem, macacão, preto velho. No fundo continua sempre a ser um ente estranho e canibal, que prefere a carne tenra das crianças.
Outro ponto digno de menção sobre o Quinbungo é sua completa vulnerabilidade. Pode ser atacado por qualquer meio, arma branca ou de fogo. Morre gritando, espavorido, acovardado, como o mais inocente dos monstros que a imaginação infantil dos povos já criou.
A influência africana é determinante, mas não influenciou que se espalhasse por outros Estados do Brasil. Negros escravos Bantus se espalharam por toda parte. Em Pernambuco ficaram muitos. Mas a lenda do Quibungo não acompanhou estes, nem em Sergipe, onde ficaram outros tantos.
A versão brasileira é originária da Bahia. Os aspectos do personagem baiano brasileiro, difere do africano. Serviu a África apenas como fonte de inspiração. Apesar de ter origem entre os povos negros Bantus que migraram para a Bahia, não se espalhou para os demais estados, mesmo diante do grande afluxo desse povo para outras regiões do país.
O Quibungo se tornou baiano, e assim ainda continua. Se fosse de origem africana sem dúvida acompanharia seus habitantes para onde quer que estes se deslocassem, o que não ocorreu no Brasil. Ele não é citado nas estórias nem do Nordeste, nem do Norte. Ele foi importado da África como protótipo, mas reestruturado pelos brasileiros baianos com base nas crenças locais já existentes.
Desse modo, ele herda aspectos do "Velho do Saco", do Lobisomem, etc. A referência à sua boca às costas, mais lembra o próprio Velho do Saco, que literalmente engolia as crianças pelas costas, uma vez que depois de ensacá-las, jogava o surrão sobre seu dorso e ia embora.
O Homem do Surrão ou "Velho do Saco" faz parte de estórias portuguesas e está em quase toda Europa. É um homem velho, esfarrapado, sujo, muito feio, que procura agarrar as crianças vadias ou descuidadas e metê-las num grande saco de couro, de abertura larga, pronta para este fim.
Não se sabe como morrem as crianças. Se o homem as devora ou mata-as pelo prazer de matá-las. Cada criança que o Homem segura é sacudida no surrão que se fecha. Para este movimento é preciso que o Homem baixe a cabeça. Então o surrão abre-se. Presa a criança, fechado o saco, o Homem ergue a cabeça. São as mesmas atitudes do nosso Quibungo com sua suposta imensa bocarra. Pela descrição, a boca do Quibungo é um saco.
No mais, é mito local, trabalho conjunto afro-brasileiro, uma silhueta disforme e negra que caminha, não nas florestas como o Mapinguari, mas nos contos populares como as histórias da carochinha.
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