O que mais me lembro da minha infância era o grande espelho que havia na sala da casa da minha avó paterna. Estava sempre coberto por um grande lençol negro, o que despertava a minha curiosidade e de meus primos.
Meus avôs diziam que aquele era um espelho amaldiçoado, capaz de roubar a alma de quem olhasse o seu próprio reflexo nele. Apesar de sermos bastante jovens não acreditávamos na história. Se fosse verdadeira não seria melhor destruir o espelho?
Uma certa noite brincávamos sozinhos na sala quando meu primo Arthur, teve a ideia de tirar o pano do espelho. Eu me calei, apesar de não acreditar que ele teria essa coragem, meu primo mais novo Felipe também não disse uma palavra.
-Vocês são duas mariquinhas!
Disse ele caminhando em direção ao espelho. Aproximou-se segurou o lençol negro com as duas mãos e o puxou para baixo. Instantaneamente, levei minhas mãos aos olhos, não queria olhar.
Ouvi um baque surdo, e em seguida Felipe soltou um grito de desespero, logo toda minha família estava na sala, pelo menos eu acreditava que estavam , eu continuava com os olhos tampados, só tive coragem de olhar quando ouvir minha avó dizer pode abrir os olhos o espelho está tampado.
Meu primo Arthur estava morto, seus olhos estavam revirados mostrando a parte branca, e sua língua pendia para fora da boca. Felipe estava sentado no chão em estado de choque, balançava de um lado para o outro com o dedo polegar na boca.
Fiz terapia por anos para esquecer o que havia acontecido naquele dia. O terapeuta me fez acreditar que a morte de Arthur nada teve a ver com ele tirar o lençol do espelho, aquilo tinha sido uma infeliz coincidência, ele tinha sofrido um infarto, é raro uma criança de dez anos sofrer um, mas o caso dele não foi um caso isolado.
Tive pesadelos frequentes com aquele espelho por anos, sempre me via na sala e uma curiosidade crescente me fazia tirar o lençol. A principio nada acontecia, depois via Arthur com o rosto encharcado de sangue com os olhos revirados, clamando por mim:
- Venha Primo, me sinto tão sozinho aqui, faz frio, não é um espaço tão grande, mas é o suficiente para brincarmos.
Ainda hoje embora não com a mesma frequência eu ainda sonho com ele. Meu primo Felipe estava internado em um hospital psiquiátrico há dez anos.
Na época eu acreditava que Felipe tinha olhado para o espelho, mas ele contou em um dos seus raros momentos de lucidez que viu seu reflexo apenas de soslaio. Meu psiquiatra também tinha uma resposta para isso, foi o trauma de ter presenciado a morte do irmão que o deixou assim, algumas pessoas são mais forte que outras. Me disse ele certa vez.
Casei-me e aceitei que o que havia acontecido foi obra do acaso minha própria avó contou que tudo era uma invenção dela para nos amedrontar.
Depois da morte do meu primo só voltei na casa dela por duas ocasiões: A primeira há dois anos atrás quando meu avô faleceu, e a segunda alguns meses atrás quando minha avó faleceu.
Embora minha avó fosse uma pessoa cheia de vida depois da morte de meu avô ela já não era mais a mesma raramente nos ligava, ou visitava, foi encontrada morta em frente ao espelho com o lençol negro na mão; suas feições conforme me contaram eram as mesmas do meu primo. Pelo menos uma vez por ano ainda tenho aquele sonho...
Agora não são apenas um, são dois clamando por mim!
Autor: Fábio Oneas
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